O oposto exato da democracia - Augusto de Franco
O autocrata Olavo de Carvalho não é apenas um pensador
político conservador. Ele é um “desenvolvedor da Matrix”, ou seja, uma das
pessoas que assumiu o papel de poluir o mundo com crenças míticas, sacerdotais, hierárquicas e
autocráticas. É um dos defensores da civilização patriarcal, que difunde ideias
legitimatórias da sociedade de castas.
Que existam pessoas assim não é novidade para quase ninguém.
Todo o chamado esoterismo faz isso. Mas seus adeptos nunca passaram, na época
atual, de reminiscências vestigiais de um mundo vertical que já passou. A
novidade está no fato de Olavo ter conseguido fundar uma seita fechada,
semi-esotérica e contar com muitos seguidores.
Em parte isso aconteceu como reação a trinta anos de
hegemonização do PT na sociedade e contra pouco mais de dez anos de controle do
Estado. Figuras bizarras como Olavo e oportunistas eleitoreiros como Bolsonaro,
cresceram durante este período se aproveitando da indignação geral com o PT e a
esquerda. Eles entraram na resistência democrática ao PT para poder faturar em
benefício próprio, fazendo crescer suas igrejinhas ou seu eleitorado.
Aproveitaram-se do analfabetismo democrático reinante e da falta de experiência
política de legiões de pessoas que queriam acreditar em alguma coisa diferente,
numa nova doutrina que fosse capaz de explicar o mundo para elas (onde tudo,
até a sua vida pessoal, fizesse sentido). Agiram de caso pensado, para amealhar
fiéis. Apoiaram o impeachment de Dilma para depois dizer que ele não resolve
nada, se não criarmos uma nova elite intelectual (olavista) e elegermos um novo
presidente (com a militância bolsonarista, uma turbamulta vil de bolsominions).
É um pensamento primitivo e perigoso para a democracia, baseado no mito. É não
há a menor dúvida sobre isso: é um criadouro de correntes fascistas.
Olavo é craque em auto-promoção. Tanto é assim que mandou
que seus fiéis fizessem um filme sobre ele: O Jardim das Aflições (na foto que
ilustra este post, naturalmente armados, aparecem o produtor e o diretor do
filme). Ele já havia publicado (em 1995) um livro com esse título. O livro
denuncia a visão do autor. Tomemos, a título de exemplo, apenas um trecho (e a
nota correspondente) que fala das castas: sim, ele acha que a hierarquia é
própria não apenas do Estado, mas natural na sociedade humana.
“A nova sociedade,
como todas as anteriores, tem as mesmas duas castas governantes – sacerdotal e
aristocrática, autoridade espiritual e poder temporal — que existirão onde quer
que seres humanos se aglomerem numa coletividade que seja maior do que uma
família; que existirão ora de maneira explícita, consagrada na constituição
política nominal, ora de maneira implícita, invisivelmente entretecida na grade
de uma constituição que não reconhece a sua existência mas que não pode impedi-las
de representar a verdadeira distribuição do poder; que subsistirão como um
código secreto no fundo de todas as constituições políticas, sejam democráticas
ou oligárquicas, monárquicas ou republicanas, liberais ou socialistas, porque
estão imbricadas na constituição ontológica e até mesmo biológica do ser humano
e são compatíveis, funcionalmente, com qualquer organização nominal do poder
político. Elas são uma ‘constante do espírito humano’, que nenhuma
constituição, lei ou decreto, ainda que fundado na vontade da maioria, pode
revogar.”
Examinemos o que ele diz:
1 – As castas governantes – sacerdotal e aristocrática –
existirão sempre, de modo reconhecido ou não pelas leis, onde quer que seres
humanos se aglomerem numa coletividade.
2 – Essa estrutura de castas (na verdade uma hierarquia)
estará invisivelmente entretecida na grade de qualquer constituição
representando a verdadeira distribuição do poder.
3 – As castas subsistirão como um código secreto no fundo de
todas as constituições políticas, sejam democráticas ou oligárquicas,
monárquicas ou republicanas, liberais ou socialistas.
4 – As castas estão imbricadas na constituição ontológica e
até mesmo biológica do ser humano e são compatíveis, funcionalmente, com
qualquer organização nominal do poder político.
5 – As castas são uma “constante do espírito humano”, que
nenhuma constituição, lei ou decreto, ainda que fundado na vontade da maioria,
pode revogar.
Quer dizer, o ser humano já veio fabricado assim. Ou, pior,
só pode ser definido (ou concebido) assim. Cada qual no seu degrau da escada. E
não é apenas um atributo cultural (o que seria explicável, por exemplo, no
contexto da cultura patriarcal): não! As castas estão imbricadas na
constituição biológica de ser humano.
Que um autocrata religioso queira pensar assim, entende-se.
Dom Escrivá de Balaguer, fundador da Opus Dei, pensava parecido. Para não falar
de conhecidos luminares do ocultismo ocidental, como Eugéne Canseliet. De certo
modo este é o pensamento da chamada tradição espiritualista, da teosofia e de
algumas vertentes sacerdotais orientais que chegaram ao Ocidente por volta do
século 12. Mas que milhares de pessoas que não teriam nenhum motivo para aderir
a esses esquemas explicativos e normativos monstruosos, deixem-se infectar por
tais programas de escravidão ou de servidão, isso é uma notícia triste para a
democracia.
Por tudo isso é bom repetir. Não se deve subestimar o efeito
deletério desse tipo de apostolado dedicado à difusão de ideologias malignas e
anti-humanas. Não tem nada a ver com esquerda x direita, como acreditam os
tolos. Tem a ver com ordem, hierarquia, disciplina, obediência,
comando-e-controle, punição e recompensa e fidelidade impostas top down. Tem a
ver com um padrão civilizatório moldado por predadores e senhores. Ou seja, o
oposto exato da democracia (que significa – e desde Ésquilo se sabe disso – não
ter um senhor, não ser escravo nem súdito de ninguém).
Olavo deve ter te sacaneado muito, brother.
ResponderExcluirCom certeza, sister. Nem durmo mais à noite...
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