segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Olavo e seus apóstolos

O oposto exato da democracia - Augusto de Franco

O autocrata Olavo de Carvalho não é apenas um pensador político conservador. Ele é um “desenvolvedor da Matrix”, ou seja, uma das pessoas que assumiu o papel de poluir o mundo com  crenças míticas, sacerdotais, hierárquicas e autocráticas. É um dos defensores da civilização patriarcal, que difunde ideias legitimatórias da sociedade de castas.

Que existam pessoas assim não é novidade para quase ninguém. Todo o chamado esoterismo faz isso. Mas seus adeptos nunca passaram, na época atual, de reminiscências vestigiais de um mundo vertical que já passou. A novidade está no fato de Olavo ter conseguido fundar uma seita fechada, semi-esotérica e contar com muitos seguidores.

Em parte isso aconteceu como reação a trinta anos de hegemonização do PT na sociedade e contra pouco mais de dez anos de controle do Estado. Figuras bizarras como Olavo e oportunistas eleitoreiros como Bolsonaro, cresceram durante este período se aproveitando da indignação geral com o PT e a esquerda. Eles entraram na resistência democrática ao PT para poder faturar em benefício próprio, fazendo crescer suas igrejinhas ou seu eleitorado. Aproveitaram-se do analfabetismo democrático reinante e da falta de experiência política de legiões de pessoas que queriam acreditar em alguma coisa diferente, numa nova doutrina que fosse capaz de explicar o mundo para elas (onde tudo, até a sua vida pessoal, fizesse sentido). Agiram de caso pensado, para amealhar fiéis. Apoiaram o impeachment de Dilma para depois dizer que ele não resolve nada, se não criarmos uma nova elite intelectual (olavista) e elegermos um novo presidente (com a militância bolsonarista, uma turbamulta vil de bolsominions). É um pensamento primitivo e perigoso para a democracia, baseado no mito. É não há a menor dúvida sobre isso: é um criadouro de correntes fascistas.

Olavo é craque em auto-promoção. Tanto é assim que mandou que seus fiéis fizessem um filme sobre ele: O Jardim das Aflições (na foto que ilustra este post, naturalmente armados, aparecem o produtor e o diretor do filme). Ele já havia publicado (em 1995) um livro com esse título. O livro denuncia a visão do autor. Tomemos, a título de exemplo, apenas um trecho (e a nota correspondente) que fala das castas: sim, ele acha que a hierarquia é própria não apenas do Estado, mas natural na sociedade humana.

“A nova sociedade, como todas as anteriores, tem as mesmas duas castas governantes – sacerdotal e aristocrática, autoridade espiritual e poder temporal — que existirão onde quer que seres humanos se aglomerem numa coletividade que seja maior do que uma família; que existirão ora de maneira explícita, consagrada na constituição política nominal, ora de maneira implícita, invisivelmente entretecida na grade de uma constituição que não reconhece a sua existência mas que não pode impedi-las de representar a verdadeira distribuição do poder; que subsistirão como um código secreto no fundo de todas as constituições políticas, sejam democráticas ou oligárquicas, monárquicas ou republicanas, liberais ou socialistas, porque estão imbricadas na constituição ontológica e até mesmo biológica do ser humano e são compatíveis, funcionalmente, com qualquer organização nominal do poder político. Elas são uma ‘constante do espírito humano’, que nenhuma constituição, lei ou decreto, ainda que fundado na vontade da maioria, pode revogar.”

Examinemos o que ele diz:

1 – As castas governantes – sacerdotal e aristocrática – existirão sempre, de modo reconhecido ou não pelas leis, onde quer que seres humanos se aglomerem numa coletividade.

2 – Essa estrutura de castas (na verdade uma hierarquia) estará invisivelmente entretecida na grade de qualquer constituição representando a verdadeira distribuição do poder.

3 – As castas subsistirão como um código secreto no fundo de todas as constituições políticas, sejam democráticas ou oligárquicas, monárquicas ou republicanas, liberais ou socialistas.

4 – As castas estão imbricadas na constituição ontológica e até mesmo biológica do ser humano e são compatíveis, funcionalmente, com qualquer organização nominal do poder político.

5 – As castas são uma “constante do espírito humano”, que nenhuma constituição, lei ou decreto, ainda que fundado na vontade da maioria, pode revogar.

Quer dizer, o ser humano já veio fabricado assim. Ou, pior, só pode ser definido (ou concebido) assim. Cada qual no seu degrau da escada. E não é apenas um atributo cultural (o que seria explicável, por exemplo, no contexto da cultura patriarcal): não! As castas estão imbricadas na constituição biológica de ser humano.

Que um autocrata religioso queira pensar assim, entende-se. Dom Escrivá de Balaguer, fundador da Opus Dei, pensava parecido. Para não falar de conhecidos luminares do ocultismo ocidental, como Eugéne Canseliet. De certo modo este é o pensamento da chamada tradição espiritualista, da teosofia e de algumas vertentes sacerdotais orientais que chegaram ao Ocidente por volta do século 12. Mas que milhares de pessoas que não teriam nenhum motivo para aderir a esses esquemas explicativos e normativos monstruosos, deixem-se infectar por tais programas de escravidão ou de servidão, isso é uma notícia triste para a democracia.

Por tudo isso é bom repetir. Não se deve subestimar o efeito deletério desse tipo de apostolado dedicado à difusão de ideologias malignas e anti-humanas. Não tem nada a ver com esquerda x direita, como acreditam os tolos. Tem a ver com ordem, hierarquia, disciplina, obediência, comando-e-controle, punição e recompensa e fidelidade impostas top down. Tem a ver com um padrão civilizatório moldado por predadores e senhores. Ou seja, o oposto exato da democracia (que significa – e desde Ésquilo se sabe disso – não ter um senhor, não ser escravo nem súdito de ninguém).


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