sexta-feira, 26 de maio de 2017

O deus de Spinoza

Einstein, perguntado se acreditava em Deus, respondeu: “Acredito no Deus de Spinoza, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, e não no Deus que se interessa pela sorte e pelas ações dos homens”.

Não sou muito chegado a deuses e derivados. Muito menos aos que se dizem seus representantes, porta-vozes ou intermediários, e ao que eles falam e escrevem em nome dos divinos, incluindo bíblias, corões, bhagavad-gitas e por aí afora.

Mas hoje Nelson Motta, em sua coluna no Globo, reproduziu um trecho do texto do filósofo holandês Baruch Spinoza em que ele se fez deus, que reproduzo na íntegra, abaixo. Pode parecer piegas, mas se eu algum dia acreditar numa “força superior” vai ser por aí.

“Para de ficar rezando e batendo o peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida.
Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.
Para de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.
Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.
Para de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau. O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria.
Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.
Para de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho… Não me encontrarás em nenhum livro! Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho?
Para de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.
Para de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz… Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio.
Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti?
Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez?
Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade?
Que tipo de Deus pode fazer isso?
Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.
Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti.
A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso.
Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.
Eu te fiz absolutamente livre.
Não há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registro. Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho.
Vive como se não o houvesse.
Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir.
Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei. E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não.
Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste… Do que mais gostaste? O que aprendeste?
Para de crer em mim – crer é supor, adivinhar, imaginar.
Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti.
Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.
Para de louvar-me!
Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja? Me aborrece que me louvem. Me cansa que agradeçam.
Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo.
Te sentes olhado, surpreendido?… Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.
Para de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim.
A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas.
Para que precisas de mais milagres?
Para que tantas explicações?
Não me procures fora!
Não me acharás.
Procura-me dentro… aí é que estou, batendo em ti.”



4 comentários:

  1. Estou enrolando para escrever sobre a existência de Deus, no Limbo Filosófico, sua postagem ativou essa ideia. Vou começar a escrever, dependendo de como ficar eu publico ou deixo arquivado até encontrar uma forma melhor para o texto.

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  2. Algo parecido pode ser encontrado na obra de JJ Benítez, Cavalo de Tróia 9:
    Para leitores que não conhecem a obra, Cavalo de Tróia cuida de, criada a máquina do tempo, dois astronautas estadunidenses são escalados para voltar ao tempo de Jesus Cristo. Acompanham as andanças dos últimos anos do galileu. Em certo momento, conversando sobre Deus, o major pergunta a Jesus:
    – Então, o que me aconselhas a fazer?
    – É bom que saibas que a nismah (a alma)é uma criatura real, e que é de tua posse. É o presente do Pai quando te imagina e apareces. Vive, portanto, e de acordo com o bom-senso. Isso é tudo.
    Hesitou alguns segundos e finalmente concluiu:
    – Vive o bom e o mau. Vive! É disso que se trata. Esta experiência na carne é única. A nismah guarda tudo, mas alimenta-a especialmente com a imaginação. Sonha o quanto puderes. Os sonhos são a sua fraqueza. Os sonhos a fazem crescer. Em cada sonho se esconde uma pérola e tu deves encontrá-la.
    E recordei o que defendiam os velhos alquimistas: somnia dea missa (os sonhos são mensagens de Deus).
    – A pérola do sonho é o símbolo da nismah. Imagina quanto puderes, e ela, a alma, encher-se-á de paz.
    E concluiu com uma frase que me acompanhará para sempre:
    – Vive mais o que sonhas.



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  3. Espinoza acreditava em Deus como os pagãos. Interessante é que foi acolhido no meio protestante principalmente Calvinista, corrente mais radical daquela época em atacar o Catolicismo, mas tendo como seu fundador, Calvino, um descendente de judeus. Judeus que naquele tempo anatematizaram Espinoza. Espinoza é contemporâneo do tempo em que o Ocidente começa sua queda e que vai se aprofundar até chegar aos nossos dias.

    Eduardo

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