Excelente reportagem de Renata Mariz em O Globo
Cerca de 57,9 milhões de brasileiros, ou 28% da população,
recebem algum tipo de pagamento diretamente do Estado. Fazem parte desse
universo os 10 milhões de servidores ativos e inativos que têm governos
municipais, estaduais e a União como pagadores no contracheque, além dos 33,8
milhões que recebem aposentadorias e benefícios do INSS. Soma-se a isso os 13,4
milhões de inscritos no Bolsa Família, além de alguns milhares de destinatários
de repasses mais pontuais, como seguro-defeso e bolsas de estudo.
O volume de pagamentos chegou a R$ 941 bilhões em 2016,
cerca de 15% do PIB daquele ano (de R$ 6,3 trilhões). No caso da remuneração de
servidores de estados e municípios, a base considerada foi de 2015, a mais
atual disponível. A maior folha de pagamento é a do INSS (R$ 507,8 bilhões
anuais), seguida pela União (R$ 273,6 bilhões), estados (R$ 106,3 bilhões) e
municípios (R$ 24,7 bilhões). Dos programas assistenciais, o Bolsa Família tem
o maior orçamento (R$ 27,4 bilhões em repasses).
Na avaliação de especialistas, os números estratosféricos
apontam que o Estado, que provê diretamente ou complementa a principal renda de
praticamente um terço da população, é grande, mas nem sempre inchado. Eles
chamam a atenção para a distribuição extremamente desigual dos recursos e como
esse aspecto deve ser levado em consideração na análise do impacto dos
pagamentos nas contas públicas.
Na avaliação de Raul Velloso, consultor econômico e
ex-secretário do Ministério do Planejamento, a “grande folha de pagamento” da
União hoje não tem paralelo no mundo ocidental. Os números apontam, segundo o
especialista, uma dependência enorme das pessoas em relação ao Estado, com
consequências nefastas nas escolhas políticas em virtude da posição do governo
como patrão ou provedor principal.
— Duvido que haja um país desenvolvido na Europa que gaste
tanto com pessoas em relação ao orçamento central como nós gastamos. Significa
que as pessoas dependem muito do Estado, o que leva a uma captura mútua —
afirma Velloso. — Os beneficiários capturam o político pelos seus anseios e o
político captura o beneficiário-eleitor com medidas nem sempre adequadas
naquele momento, aumentando salário, por exemplo.
Velloso ressalta, porém, que apesar de um grande número de
destinatários dos pagamentos do governo, os valores repassados à maioria fazem
parte do “bolo do salário-mínimo”. Ou seja, há uma massa de pessoas que recebem
um valor extremamente baixo.
Entre os aposentados da iniciativa privada, mais de 70%
ganham um salário-mínimo. E o teto não passa de R$ 5,5 mil. No caso dos cerca
de 1 milhão de inativos da União, o pagamento médio girou em torno de R$ 10 mil
por mês em 2016.
— Tudo isso tem que ser levado em consideração nas reformas
discutidas atualmente. É preciso ponderar a questão da justiça social com o
ajuste quando se tem grandes grupos consumindo somas elevadas, mas também
grupos pequenos com quinhões tão grandes.
Para Cláudio Hamilton Matos dos Santos, coordenador de
Finanças Públicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mais
importante do que a quantidade de pessoas alcançadas é verificar o foco e a
equidade dos pagamentos. Ele separa o grande grupo de 57,9 milhões de pessoas
em três blocos — os servidores públicos (ativos, inativos e pensionistas), os
recebedores pelo INSS e a população atendida por benefícios assistenciais —
para analisar cada gasto.
— É preciso diferenciar juízes que ganham R$ 30 mil e
pessoas que recebem R$ 200 de benefício assistencial. São perfis muito
diferentes — justifica Santos.
Segundo ele, antes de afirmar que um subgrupo custa muito ao
Estado, olhando para o orçamento que consome, é necessário avaliar o tamanho
daquela população. O exercício mostra o impacto significativo dos servidores
públicos inativos na folha de pagamentos.
— O gasto com inativos do INSS representa 7% do PIB, o que é
muito elevado, mas atinge 28 milhões de pessoas, enquanto os servidores
públicos inativos são apenas 4 milhões de brasileiros que consomem 4% do PIB —
diz Santos.
O economista do Ipea não considera que haja inchaço no
funcionalismo do Brasil, com mais de 10 milhões de servidores, o que representa
5% da população. O problema, de acordo com Santos, decorre dos aumentos
salariais concedidos nos últimos anos — na esfera estadual, o salário médio dos
funcionários públicos subiu 50% na última década — e da regra de paridade, que
eleva o contracheque dos aposentados de acordo com os ganhos dos ativos.
Santos também destaca que o próprio regime público de
Previdência adotado pelo Brasil leva naturalmente a um número maior de pessoas
pagas pelo governo ao se aposentarem. Não é o caso do Chile, exemplifica o
economista, que tem uma previdência gerida por órgãos não estatais.
Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da
Confederação Nacional do Comércio, afirma que o peso do Estado, responsável por
tantos pagamentos diretos, tem relação direta com a tributação elevada. De
acordo com ele, o lado negativo da situação é visto especialmente nos momentos
de crise.
— A carga tributária é alta porque muita gente depende do
Estado, é o custo de o Estado arcar com esse papel, hoje sustentado com dívidas
por causa da crise. Como resultado disso, vem o aperto nos investimentos —
alerta Gomes. — Diria que esse é o ponto nevrálgico de toda a engrenagem: o
corte dos investimentos que leva o governo a suspender bolsas de estudos,
programas científicos, projetos na área de tecnologia. Ou seja, leva a uma
involução do Estado.
O economista pondera que a própria legislação proíbe que o
governo deixe de honrar determinadas contas, como salários e aposentadorias.
Quanto à pequena margem de manobra nos itens discricionários, Gomes considera
fundamental manter programas assistenciais, cujo impacto nas contas é pequeno.
Ele aponta o Bolsa Família como exemplo de programa que
custa pouco, R$ 27,4 bilhões em pagamentos em 2016, dado o alcance de 13,4
milhões de beneficiários diretos (ou cerca de 45 milhões de pessoas,
considerando o tamanho médio das famílias atendidas), embora com repasses
pequenos por pessoa. No entanto Gomes insiste na necessidade de incentivar o
crescimento:
— Sem investimento não tem emprego. Então esse tipo de
subsídio social, que é importante, passa a ser autoliquidável, ou seja, acaba
em si mesmo. Não haverá porta de saída.
De Nelson Soares (eng -66)
ResponderExcluirO sub título até pode ter fundamento, mas para o objeto da matéria não procede em sua essência; a legislação que deu base para formar essa massa de dependentes do governo vem de muitos governos...ou esses 507 bilhões das 33 milhões de pessoas do regime geral da providência são decorrência de legislações recentes ?
Não é o caso de ficar procurando culpados, mas sim de corrigir os erros.
ExcluirExato! Sou trabalhador de um órgão público e concordo com o artigo. Há uma excrescência não só em termos de valores como em comparativo quando se trata de produção. Os serviços públicos não produzem nada, na grande maioria somente pune o cidadão a fim de arrecadar impostos.
ResponderExcluirEssa horrenda disparidade vem de muito longe, como disse o comentarista acima. O setor privado deveria ser muitíssimo menos tributável, o Estado deveria ser mínimo e não intrusivo como é neste "socialismo bananeiro". É no setor privado que adquirimos alimentos, vestuário, supérfluos, usamos transportes, procuramos laser... enfim. Enquanto houver essa inversão perversa e criminosa o país não sairá da mesmice e produzirá estatutários e parasitas à título dos "supremos" dos STF.
Triste país.
Eduardo