“Favela não é lugar para ninguém”, diz Seu Jorge, que veio
de uma delas em Belford Roxo
A esquerda caviar adora glamourizar as favelas, ou melhor,
as “comunidades”. São lugares vistos como de vanguarda, onde há uma
simplicidade maior, uma camaradagem espontânea, algo que nos remete ao “bom
selvagem” de Rousseau, pessoas mais “puras”, enfim, pois não totalmente
contaminadas pela “ganância capitalista” e a impessoalidade das cidades. Basta
assistir a um programa “Esquenta!”, de Regina Casé, ou ler uma entrevista de
Miguel Falabella, enaltecendo o estilo de vida mais descolado e divertido de lá,
para se ter quase vontade de vender tudo e ir morar numa favela.
Na prática, não é nada disso. O que temos é um cotidiano de
surras e pobreza, os “gatos” da Net feitos por “esperteza” e excesso de
“malandragem”, e um clima de total insegurança, em que os pais vivem
constantemente apavorados com o risco de seus filhos serem atraídos pelo
tráfico de drogas, que domina quase todas as favelas cariocas. O gerente de
tráfico da favela da Maré chegou a afirmar que matava um por dia, se quisesse.
É esse o ambiente insalubre dos moradores dessas “comunidades”, sem falar da
falta de saneamento adequado e tudo mais.
Enquanto o beautiful people dos bairros chiques elogia essa
condição de vida de longe, muitos favelados (termo jamais usado por essa gente)
desejam aquilo que os outros têm: consumir mais produtos modernos, viver com
mais segurança, oferecer uma condição de vida melhor para seus filhos. Na
resenha que escrevi de Um país chamado favela, tentei encontrar um ponto de
equilíbrio entre a glamourização feita pela elite da esquerda e o preconceito
destilado por muitos, sem deixar de criticar o viés esquerdista dos autores.
Mas tudo isso foi para chegar à entrevista recente que Seu
Jorge concedeu à revista Rolling Stone. Ele, que veio de Belford Roxo e sabe do
que está falando, ao contrário dos artistas e “intelectuais” nascidos em berço
de ouro, como Chico Buarque e companhia, foi enfático ao dizer:
Favela não é lugar para ninguém. Favela não é legal. Não tem
segurança, não tem saneamento, não tem hospital, não tem porra nenhuma. Favela
só sofre preconceito. Eu quis sair mesmo. Eu não quis ficar enterrado na
favela. Nasci lá, mas não quis ficar enterrado lá. Favela não é meu mundo, meu
tudo, porra nenhuma. A favela é o abandono que o governo deixou pra gente. E hoje
eu não quero tocar na favela para não me envolver com tudo que está errado lá
dentro.
Sinceridade, algo que tanto falta aos nossos artistas da
esquerda caviar. Ao contrário daqueles que elogiam Cuba, Venezuela e o
socialismo, mas escolhem passar férias ou viver em Nova York ou Paris, Seu
Jorge elogia os Estados Unidos mesmo, um “país diferenciado”, não por acaso
onde escolheu viver. Quando questionado por que foi para Los Angeles,
respondeu: “Tranquilidade. Eu precisava ser pai. No Brasil o Seu Jorge estava
dentro de casa. Eu não conseguia levar minhas filhas para passear, ir à escola
delas sem ter a aclamação do público. Nos Estados Unidos não tem isso. Lá eu
tenho uma vida normal de pai, que sai, dá uma volta com o cachorro”.
Não é apenas a fama que o mantinha em casa, naturalmente.
Pode ter sido o fator principal em seu caso, mas não foi o único. É o que faz
muita gente, cada vez mais, temer um simples passeio no parque, ou andar de
bicicleta pela orla: a violência, o risco de assalto, de levar uma bala
perdida, de ser abordado por um marginal que depois é tratado como “vítima da
sociedade” pelos sociólogos e poetas. Não há isso nos Estados Unidos. Aqui em
Weston vemos vários ciclistas pelas ruas, e se eu perguntar se temem algum
assaltante, não vão compreender minha pergunta. Posso sair de um restaurante às
23h de vidros abertos e parar em qualquer sinal sem medo. Tranquilidade, é a
palavra certa, usada por Seu Jorge, que lamenta a perda de identidade do
brasileiro:
Acho que a política brasileira está passando por uma crise
de identidade muito grande. Não reconhecemos mais quem nos representa. É um
problema muito sério, porque atinge a percepção da capacidade de o Brasil ser
um país colossal, como ele merece e tem condições para ser. O mundo todo torce
para o Brasil e para o brasileiro, eu percebo isso [lá fora]. Os programas
sociais não são um problema, mas causam um rombo muito grande e fazem com que
as pessoas não se movam para alcançar outro plano. As contas do governo também
não batem. Acho que uma série de ministérios deveria ser suprimida e que
precisamos de gestores mais sérios. Está cada vez mais difícil representar o
Brasil fora daqui, e essa é minha função. Não saí do Brasil para me tornar um
gringo – eu saí para afirmar o Brasil. Mas está difícil, porque nossas mazelas
e feridas estão expostas e as pessoas não acreditam na gente. Isso interfere
diretamente no meu trabalho e carreira.
Sobre aqueles que atacam o cantor por ele ter se mudado para
os Estados Unidos, a típica elite da esquerda caviar que vive numa bolha, Seu
Jorge solta o verbo em desabafo:
O patrulheiro que fica me enchendo o saco, dizendo “Pô, o
Jorge agora mora nos Estados Unidos”, tem que se lembrar do seguinte: eu era
morador de rua, um fodido e meu dinheiro eu fiz centavo por centavo sem
sacanear ninguém, sem roubar ninguém. O Brasil em que eu acredito é esse que
está na Avenida Paulista ralando; é o Brasil do motoboy, das mães solteiras
fazendo faxina como diaristas, dos garçons, dos seguranças. Esse é o meu
Brasil, eu vim daí. Agora, vem essa galerinha de Facebook e de Twitter [falar
de mim]. Pô, morre e nasce de novo para poder chegar perto de mim, morou?
Morei. Entendo perfeitamente o desabafo de Seu Jorge, mesmo
jamais tendo passado pelo que ele passou na infância. Isso nunca me impediu de
ter sensibilidade para tentar me colocar no lugar do outro, e por isso mesmo
minha revolta com essa elite hipócrita, que glamouriza o que é, para o outro,
um fardo concreto. Se Seu Jorge tivesse ficado na favela até hoje, tendo que
fazer parceria ou com o tráfico ou com a milícia, a esquerda caviar ia adorar,
ia repetir que ele não perdeu os laços com sua essência humilde, enquanto, na
prática, ele estaria prejudicando sua família e agredindo sua ética.
Em Los Angeles ele não precisa de nada disso. Pode oferecer
uma qualidade de vida bem melhor para as filhas, pode dormir em paz, sair com
tranquilidade, e não tem que contemporizar com bandido para fazer seus shows. E
isso é condenado por aqueles que vivem no Leblon ou no Jardins, gente que vai
para Paris ou Nova York todo ano, mas adora odiar os Estados Unidos, e “ama” as
favelas, de preferência bem de longe, vendo-as como uma simples abstração,
enquanto os favelados são apenas mascotes para alimentar sua vaidade fruto da
autoimagem de abnegados e altruístas. Para esses “psicólogos sakamotianos“, Seu
Jorge quer apenas o gozo da inveja alheia. Não é mole não!
(argento) ... hehehehehe, com as UPP, cresceu o "Safari à Favela" - Safari, vem do Árabe e significa Viagem. Atualmente a palavra é usada como referência à observação a pé ou motorizada de ANIMAIS SELVAGENS, é sim, dá Lucro, Favela Faz Bem aos "NEGÓCIOS" ...
ResponderExcluirDe um lado tem a "esquerda caviar", que romantiza a favela, mas do outro lado tem a "direita caviar", que pega meia dúzia de favelados que conseguiram prosperar e acredita que todos os outros poderiam ter feito o mesmo, mas vivem em favelas por opção.
ResponderExcluir(argento) ... poiZé, Milton, "Opção", forçada, por necessidades ou Interesse, ambos não confessados; creio que ninguém, com o domínio de sanidade ou posses, gostaria de estar numa Favela - todo favelado que conheço, pelo menos, Sonha em sair dela, ... um dia, que nunca chega ... vontade é como caganeira, dá e passa ...
Excluir(argento) ... é bastante olhar para o programa da Globo, onde são mostradas as mazelas do poder público nos bairros das periferias não fanelas ...
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