quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

O dia em que a Novacasa quase virou Odebrecht

Projeto meu, meramente ilustrativo
Lembrei ontem desse caso que se passou comigo.

Lá pelo início dos anos 80, eu tinha uma firma pequenininha de arquitetura chamada Novacasa. Certa feita, um engenheiro mecânico meu conhecido me convidou para entrar na concorrência do projeto e construção de alojamentos para funcionários da Petrobras na refinaria de Manguinhos, mais especificamente para o pessoal que iria trabalhar na recém-projetada área de combustível para foguetes. Não era nada faraônico, mas para a miudeza da minha empresa, já combalida pela crise na construção civil em função da inflação galopante, era sopa no mel, a chance de sair do buraco.

Pois bem, aceitei, fiz um estudo preliminar do projeto, orcei e mandei para o Juca (nome fictício, sei lá se o cara ainda está vivo...), como ele me pediu, para que avaliasse se estava tudo dentro dos padrões da empresa. Lembro que comentei com ele achar estranho não exigirem da minha firma um credenciamento específico para participar de licitações na estatal, dúvida que não foi esclarecida. Juca apenas me tranquilizou dizendo para que não me preocupasse porque ele cuidaria disso.

Uns quinze dias depois recebi um telefonema do Juca me chamando a Manguinhos para discutir minha proposta. E lá fui eu até a aprazível localidade de Champs Elisées (Campos Elíseos, depois de Caxias, para os locais, o inferno na Terra), onde se localizava a refinaria. Ao chegar, fui apresentado a outros três engenheiros da Petrobras, possivelmente os chefes da área do novo projeto, e, para minha surpresa, fui convidado pelos quatro para tomar uma cervejinha em um boteco enquanto discutiríamos a proposta. Achei estranho, já que eles tinham um escritório bem montado, espaçoso, com ar-condicionado, mas lá fui eu para o pé-sujo e, debaixo de um calor insuportável iniciamos as tratativas.

Ao chegar no boteco, entendi o porquê da escolha. Mal sentamos e, sem rodeios, um deles abriu logo o jogo e me perguntou quanto eles levariam na “brincadeira”. Respondi, usando de toda a minha sutileza paquidérmica: “nada”. Todos se entreolharam e o mesmo cara me perguntou se Juca não tinha me explicado o esquema. Antecipando-se a mim, Juca tomou a palavra e esclareceu que não o tinha feito porque queria que o tal esquema fosse discutido por todos. Ato contínuo, levou uma baita bronca, unânime, por ter deixado esse detalhe “tão importante” para ser discutido na minha presença. Senti a barra, dei a desculpa que ia estacionar meu carro na sombra, pedi licença e saí, para evitar maiores constrangimentos.

Ao voltar, o mesmo sujeito que tinha sido direto repetiu a dose e me perguntou se realmente não dava para sair nenhum cascalho para eles, no que eu neguei de novo, dessa vez argumentando que já tinha feito um preço bem baixo para ganhar a licitação.

“Então” - disse ele, que me parecia o chefe - “você vai botar mais 30% na parada, falou?”

Perplexo ante tanta objetividade e cara-de-pau, ponderei que a coisa ia ficar muito cara e, sendo assim, minha chance de ganhar seria bastante remota, no que ele rebateu: “Deixa isso com a gente, não se preocupa. A parada é a gente que decide. O Juca é nosso e pediu pra gente interceder ao seu favor. Faz isso. Bota trintinha pra nós que eu garanto daqui.”

Saí de lá encafifado. Afinal, eu já havia recebido uma proposta semelhante de um pessoal do finado Projeto Jari, só que muito mais escabrosa: eu apresentaria um orçamento “para ganhar”, emitiria as notas e receberia um tanto, sem que as obras fossem realizadas. Molinho, molinho. Só que recusei, prezando a minha consciência.

Mas dessa vez a coisa era diferente: eu efetivamente executaria o projeto, o que amenizava a tramóia em relação a Jari, mas não a legitimava como negócio limpo. A decisão não foi fácil. Fiz as alterações, preparei o documento oficial, mas demorei uma semana me remoendo em dúvidas até, enfim, enviá-lo, não sem um grande peso na consciência. Fosse o que deus quisesse.

Passados, sei lá, uns três meses e, como nenhuma resposta me fosse dada sobre o assunto, resolvi ligar para o Juca. Ligava insistentemente e nada. Tanto em sua casa como no escritório, os telefones chamavam e ninguém atendia (não havia celular ainda). Decidi então “arquivar” o caso, deixar de me preocupar e continuar duro, reduzindo custos, reformando um banheiro aqui, uma cozinha ali, apenas para manter minha empresa até que eu tivesse capital suficiente para saldar as dívidas e encerrá-la.

Eis que, meses depois, dívidas pagas, a Novacasa já devidamente fechada, vou ao Souza (badalado cabeleireiro masculino da época) cortar o cabelo e dou de cara com o Juca, que, logo após cumprimentos constrangidos, me explica, sem que eu tivesse perguntado, que o negócio tinha “melado” porque ele e mais dois da turma dos 30% tinham sido transferidos, um para cada canto (Juca para Porto Alegre). Mais não perguntei sobre o assunto. Trocamos mais dois dedos de prosa, falando das famílias e filhos e nos despedimos, indo cada qual para o seu “cirurgião capilar”, que é como o meu barbeiro, um gozador se autodefine. Nunca mais nos falamos.

Cascata do Juca? Não sei e jamais vou saber se a “quadrilha” arranjou uma oferta mais tentadora ou se realmente foi desfeita. Hoje não importa, mas, sem orgulho nenhum, lembrei que, na época, a Novacasa quase virou Odebrecht.

4 comentários:

  1. (argento) ... viu só como deus existe? - "támarrado" em nome de jesus!" - seria hoje mais um a figurar no Listão. He he he he he he he, ... e não teríamos o Blog ou, o teríamos e, pior, provavelmente seria guvernista ...

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  2. Lembrar do Projeto Jari é sem dúvida muito interessante. Provavelmente aquela roubalheira só foi superada pelo Petrolão e permanece escondida até hoje. Mas seu caso mostra muito bem a diferença entre a corrupção que sempre existiu na Petrobras e a corrupção que foi instalada pelo PT.

    Nunca foi segredo que funcionários da Petrobras, assim como em outras empresas (inclusive empresas privadas) criam esquemas para receber propinas. Mas o petrolão mostra algo diferente, a propina envolve a mais alta diretoria e financiamento de partidos e as licitações eram (ou são?) combinadas com os concorrentes.

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    1. O Jari fez milagres. O sujeito que me propôs a mutreta, advogado, passou de duro a milionário em um ano. Esse já morreu.

      Falando nisso, tem um outro tipo de roubalheira que há muito tempo tem proporcionado fortunas: a saúde pública. Um contraparente da minha mulher foi de representante de laboratório farmacêutico a milionário com lancha e mansão em Angra em dois anos, depois que passou a fornecer medicamentos para o governo, ainda na época do Sarney.

      Milagre é o Brasil ainda não ter ido à bancarrota total. Mas falta pouco.

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    2. Milagre sinônimo de catástrofe: o milagre da União Soviética, o milagre de Hitler e os milagres brasileiros mostram isso claramente. Todos os países que se desenvolveram buscaram o conhecimento e o trabalho, aqueles que buscaram o milagre encontraram o atoleiro.

      Exemplos: o milagre brasileiro da década de 70 resultou em inflação fora de controle; o milagre do Plano Cruzado resultou em mais descontrole da inflação; o milagre do Plano Collor resultou em crise econômica, política e social; o milagre do Reagan resultou na crise de 2008, que só não aconteceu antes porque o Bush Senior não teve um segundo mandato e o Clinton interrompeu o milagre; o milagre do Lula/PT resultou nisso que estamos vendo hoje, mas não devemos esquecer que ele se baseou no milagre brasileiro dos anos 70 e no milagre americano Reagan/Bush/Bush.

      Milagre? To fora, confio mais em Melhoral.

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