quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Eu ia meter o pau no Veríssimo, mas Constantino hoje acordou cedo

Estrela do PT sobre charge de Battistão
Pronto para escrever um monte sobre as besteiras que Veríssimo destilou hoje em sua coluna, fui dar uma olhada no blog do Rodrigo Constantino e ele já tinha escrito tudo que eu queria dizer e mais alguma coisa.

Verissimo: o contexto maior e a ética menor

O leitor tem o direito de achar que pego no pé de Verissimo, ou então que dou muita trela para alguém que deveria simplesmente ser ignorado quando resolve sair das crônicas do cotidiano para falar de política. Mas discordo. Acho que o filho de Erico é um ícone perfeito da postura de nossos “intelectuais” de esquerda, e que justamente por isso ele pode ser usado para representar todo o fracasso de uma geração “progressista”.

Em sua coluna de hoje, Verissimo vestiu o chapéu de defensor da estatal Petrobras, e como o homem “matou” a Velhinha de Taubaté só para não criticar o governo do PT, claro que sua análise iria suavizar, aliviar, relativizar e inocentar até a bandalheira que o partido montou dentro da maior empresa nacional. A tática é velha e conhecida: algumas poucas concessões aos críticos, para simular imparcialidade, e logo depois um enorme “mas”, que serve justamente para proteger os culpados. Vejamos:

Recomenda-se a desiludidos com a atualidade em geral e com o PT em particular a procurar refugio no contexto maior. O contexto maior não absolve, exatamente, o contexto imediato, a triste realidade de revelações e escândalos de todos os dias, mas consola. Nossa inspiração deve ser o historiador francês Fernand Braudel, que — principalmente no seu monumental estudo sobre as civilizações do Mediterraneo — ensinou que, para se entender a Historia, é preciso concentrar-se no que ele chamava de la longue durée, que é outro nome para o contexto maior. Braudel partia do particular e do individual para o social e daí para o nacional e o generacional, se é que existe a palavra, e na sua história da região, o indivíduo e seu cotidiano eram reduzidos a “poeira” (palavra dele também, que incluía até papas e reis) em contraste com a longue durée, o longo prazo da história verdadeira. 

Ora, o apelo ao “contexto maior” tem um aspecto engraçado na esquerda: ele só é tirado da cartola quando é para aliviar a barra da… própria esquerda! Onde estava o “contexto maior” na análise de Verissimo quando no governo estava o PSDB? O uso de um duplo padrão moral de julgamento, a seletividade na hora de selecionar princípios, esta é a marca registrada de nossa esquerda hipócrita.

No mais, historiadores sérios focam em indivíduos, pois sabem que eles fazem a diferença. Compare-se um conservador como Paul Johnson, por exemplo, a um marxista como Eric Hobsbawm, para quem o assassinato de 20 milhões de pessoas seria justificável em nome do comunismo. É o que dá relegar o indivíduo de carne e osso ao papel de “poeira”, em troca de conceitos abstratos e coletivistas que tentam capturar o “contexto maior”. Vamos adiante:

Do ponto de vista da eternidade nada do que está sendo revelado, em capítulos diários, sobre o propinato na Petrobras e os partidos políticos que beneficiou deixa de ser grave, mas é impossível não ver o cerco à estatal do petróleo no contexto maior da velha guerra pelo seu controle, que já dura quase 70 anos, desde que a Petrobras venceu a primeira batalha, a que lhe permitiu simplesmente existir, quando diziam que nunca se encontraria petróleo no Brasil. 

Aqui o leitor mais atento já começou a perceber a estratégia da “crítica” seguida imediatamente do “mas”, que é todo o motivo de ser do texto. Vejam só: o petrolão não deixa de ser grave, MAS é preciso considerar que alguns pretendem destruir a Petrobras enquanto estatal, e isso não pode ser permitido. Logo, façamos vista grossa ao escândalo para salvar a estatal. Eis o recado nem tão nas entrelinhas de nosso cronista.

Seria cômico, não fosse trágico, notar que é justamente o PT que está destruindo a estatal, e que não há batalha alguma por seu controle, e sim uma quadrilha que tomou de assalto a empresa e criou um enorme duto de desvio de recursos dela para seus bolsos, contas na Suíça ou financiamento ilegal de campanha para se perpetuar no poder. E foi exatamente a condição de empresa estatal que possibilitou tal feito, tal butim.

A Embraer está livre disso, como a Vale, pois foram privatizadas. Por isso não temos o “valão”, mas temos o petrolão. E Verissimo tenta convencer seu leitor ingênuo de que o petrolão tem sido usado por gente com uma terrível agenda de privatizar a Petrobras, ou seja, de tomar seu controle (?). Eis que, de repente, os “neoliberais” surgem como os vilões nessa história, e os bandidos que assaltaram e destruíram a estatal ficam escondidos no segundo plano. Mas tem mais:

Mais do que em qualquer outra frente de confronto entre conservadores e progressistas e direita e esquerda no Brasil, na luta pela Petrobras, e por tudo que ela simboliza além da exploração de uma riqueza nacional, se definem os lados com nitidez. A punição dos responsáveis pelos desvios que enfraqueceram a estatal deve ser exemplar e todos os partidos beneficiados que se expliquem como puderem, mas que se pense sempre no contexto maior, no qual a sobrevivência da estatal como estatal, purgada pelo escândalo, é vital.

Ali está o “mas” novamente. Esqueça o confronto entre conservadores e progressistas, entre direita e esquerda, agora que é a esquerda manchada de corrupção: vamos focar na preservação da Petrobras como estatal, clama Verissimo. Se for a direita no poder, então a corrupção é o foco. Mas se for a esquerda, é preciso ver o “contexto maior”.

E não fica claro porque seria vital manter a estatal como estatal. Talvez porque Verissimo ache que não há correlação alguma entre isso e o escândalo de corrupção. Talvez porque Verissimo pense que foi terrível privatizar a Vale, a Embraer, a Telebras, a CSN, etc. Talvez porque Verissimo seja um “estatólatra”, que adora o poder concentrado no estado (para que quadrilhas como a liderada pelo PT possam pilhar nossos recursos) e que odeia a propriedade privada, o livre mercado, o capitalismo, enfim, tudo aquilo que efetivamente funciona para reduzir a miséria e criar riqueza. E a pérola final:

Fernand Braudel viveu e lecionou no Brasil. Não conheço nenhum texto dele sobre sua experiência brasileira. Seria interessante saber como ele descreveria, ou preveria, hoje, a longue durée da nossa História. O que significaria, na sua avaliação, o longo dia no poder do PT? O contexto maior tudo perdoaria ou tudo justificaria? Enfim, o contexto maior de todos é o Universo, que, no fim, engole todos os significados. O que também não é um consolo.

Aqui vemos a tentativa de fechar sendo engraçadinho, mas a mensagem já está clara: o “contexto maior” deve ser levado em conta na hora de julgar e condenar o petrolão do PT. É que, para Verissimo, o PT é de esquerda, e isso é sinônimo de “justiça social”. Logo, ele tenta persuadir seus leitores de que, em nome dessas “conquistas sociais”, as quais não vemos na prática, a roubalheira e os maiores escândalos de corrupção da nossa história deveriam ser varridos para baixo do tapete. Colocar em forma de pergunta não muda nada; é apenas mais uma tática manjada. Sabemos a resposta que o autor insinua, ou melhor, escancara.

Tenho minhas perguntas também. Por exemplo: o que dizer sobre “intelectuais” que só se incomodam com a corrupção quando ela vem da “direita”? Será que as conquistas reais do Chile, ao contrário das imaginárias de Cuba, justificariam então o regime de Pinochet? Por que a esquerda não adota o mesmo critério para julgar os diferentes regimes? Por que a esquerda tenta monopolizar as virtudes? E, por fim, por que alguns “intelectuais” dão tanta importância ao “contexto maior” e, com isso, demonstram uma postura ética tão menor?

4 comentários:

  1. Vou comentar apenas o primeiro parágrafo do texto do Veríssimo, ou seria Bestíssimo? Os outros não pretendo ler.

    Veríssimo cita um historiador francês que, segundo aquilo que foi apresentado, não pode ser considerado alguém com capacidade mínima para entender o que é história. O historiador teria partido do indivíduo e progredido até chegar ao contexto geral e o indivíduo foi reduzido a pó. Se o ilustre historiador tivesse aprendido a contar (um, dois, três...), ele não precisaria fazer profundas reflexões para descobrir que a história de UM indivíduo é muito diferente da história de UMA sociedade, que é diferente da história de TODA a humanidade.

    Veríssimo fala em contexto imediato e contexto maior. Em minha insignificância, eu falaria em contexto menor e maior, jamais falaria em contexto imediato, pois requer um contexto futuro, algo que impossível de existir no presente e portanto não pode ser analisado, se é que estou me fazendo entender.

    Antes que alguém “argumente” que existe o contexto do passado, vou lembrar que sé passado não faz parte do contexto atual, muito pelo contrário, o contexto atual é resultado de um contexto anterior, portanto são contextos separados historicamente.

    Resumindo, o Sr. Veríssimo fala nada sobre coisa alguma, mas em apenas um parágrafo produz material suficiente para uma dissertação de mestrado sobre a idiotice dos pseudos historiadores e dos pseudos intelectuais.

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  2. Encontrei a professora do ilustre historiador citado pelo Veríssimo.

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