O escritor, produtor de cinema e consultor de comunicação José
Paulo Lanyi, conta, na Folha, as “maravilhas” de Cuba.
O apartheid econômico na ilha de Fidel
Com o pulso socialista e as pernas amparadas em um
capitalismo de muletas, Cuba vive a sua transição. O povo está esperançoso,
diante do acordo com os EUA e da perspectiva da chegada de mais turistas. Mas
ele sabe que há muito mais a ser feito para que possa, enfim, viver com
dignidade. Deve-se levantar o bloqueio de fora. E o "apartheid" de
dentro.
Voltamos, minha namorada e eu, de uma jornada de três
semanas pelo Eldorado que só a ideologia e a ficção são capazes de fundar.
Viagem independente. Nada de pacotes e excursões. Ficamos em
casas de famílias que alugam quartos para estrangeiros. Foi assim na caótica
Havana, nos "mogotes" de Viñales e na aristocrática Varadero.
No decorrer dos dias, as férias foram minguando para dar
lugar ao espanto. Canais de televisão celebravam a chegada do 56º ano da
revolução. Descobrimos que, tanto quanto lá, em países como China, Rússia,
Brasil e Venezuela, só acontecem coisas boas.
Em Cuba, poucos são os escolhidos. Donos de lojas,
restaurantes, hotéis e casas particulares convertidas em hospedaria são autorizados
a cobrar em moeda turística (CUC, peso convertível), cujo valor é pouco menor
do que o do euro. Esses vivem melhor, reinvestem e fazem o dinheiro circular.
O grosso da população que tem emprego recebe em uma moeda
que vale 25 vezes menos. E, como ganha uma espécie de cesta básica que também
não cobre o mês, faz de sua rotina uma jornada pela selva. Vale tudo pelo
dinheiro dos turistas.
Muitos moradores mendigam, enganam, colocam, literalmente,
camundongo em cima de cachorro para conseguir aquele trocado que para os
gringos não é nada. Mas, para os excluídos, é uma fortuna em pesos nacionais. E
a ciranda do desespero recomeça no dia seguinte.
Turista pode tudo. Cubano não pode nada, a menos que receba
a chancela para trabalhar com estrangeiros. Nas praias de Varadero, se um
forasteiro se senta em uma "cadeira proibida" de um resort, ouve de
um segurança que terá de pagar 1 ou 2 CUCs para ficar (embora, provavelmente, o
hotel não saiba disso). Se um residente se abanca ali, é escorraçado pelo mesmo
homem.
Cubanos só podem entrar em restaurantes para nacionais e, de
modo similar, em casas de hospedagem com um selo vermelho na porta. As de selo
azul, melhores e mais refinadas, são frequentadas pelos estrangeiros. A
corrupção é a marca da desigualdade. Em uma farmácia para nativos, a balconista
exigiu 40 pesos nacionais em uma compra que deveria custar 15. Uma propina de,
digamos, R$ 3.
Tudo para vender duas pomadas anti-inflamatórias que, dizia
a atendente, exigiam receita médica –o que não era verdade. E turistas,
diga-se, também podem comprar nesses locais. No câmbio, a operadora "se
enganou" e, confrontada com o seu "erro", devolveu, sem
reclamar, o equivalente a R$ 9.
O contraste entre o que se pode ter e o que se vê nas mãos
dos estrangeiros e da minoria habilitada gera grande insatisfação popular.
Muitos falam mal do governo e dizem que, enquanto a massa se
sacrifica, Fidel Castro, integrantes de seu regime, artistas e esportistas
famosos vivem em mansões em uma região rica a oeste de Havana.
Voltamos para o Brasil com uma imagem que sintetiza o
sentimento desse povo. Em Varadero, um brasileiro deu o seu mergulho, pegou a
toalha na cadeira e rumou para um hotel da rede Meliá. Ostentava, no braço
bronzeado, uma tatuagem de Che Guevara.
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