Em crise, fábrica estatal de camisinhas na floresta naufraga
e para produção - Folha
Anunciada como promessa de saída sustentável para o
abastecimento nacional de preservativos, a fábrica estatal de camisinhas de
Xapuri (AC) interrompeu sua produção e tem futuro incerto.
Com o nome de Natex, o empreendimento foi inaugurado em
2008, com investimentos do Ministério da Saúde, na gestão do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e do então governador Jorge Viana (PT). A administração
ficou a cargo da Fundação de Tecnologia do Estado do Acre.
Localizada na terra do líder ambientalista Chico Mendes, a
fábrica foi pioneira por utilizar látex de seringueiras nativas. A ideia é que
ela gerasse renda à comunidade local, ao mesmo tempo em que abastecesse o
programa nacional de distribuição de camisinhas.
O Ministério da Saúde comprometeu-se a comprar toda a
produção, com capacidade anual de 100 milhões de preservativos (quase um quarto
do total distribuído ao ano no país), o que por algum tempo de fato ocorreu.
A quantidade adquirida, porém, despencou em meio a
dificuldades financeiras do estado e a uma nova dinâmica na produção de
matéria-prima.
Segundo a pasta, o contrato para o período de 2015 e 2016
previu 100 milhões de camisinhas. Já a compra mais recente, para fornecimento
até 2017, foi de 41 milhões de unidades.
Neste ano, a situação se agravou, e a produção foi
interrompida há um mês, de acordo com funcionários.
O prefeito de Xapuri, Bira Vasconcelos (PT), confirma e diz
que todos os trabalhadores da indústria receberam aviso prévio no início de
junho. Afirma que o município e o estado ainda buscam uma saída.
Para ele, a situação da fábrica decorre da insuficiência do
valor pago pelo governo federal, de R$ 0,14 por preservativo. Segundo ele, o
custo total é maior, e a gestão estadual vinha arcando com o valor extra, mas,
com a crise econômica, não teve mais condições financeiras. "O custo está
inviabilizando a fábrica", diz. "Estão vendo só o lado econômico,
esquecendo os benefícios sociais e ambientais."
Em nota, o ministério diz que o contrato de 2018 para a
compra de preservativos de Xapuri está em fase de "negociação de
preço". A pasta afirma ainda que todas as aquisições "seguem a
tramitação legal na busca do melhor custo e benefício", levando em conta
itens como avaliação de preço de mercado, concorrência entre fabricantes,
qualidade e custo do produto na fábrica.
Procurada, a gestão Tião Viana (PT) afirmou apenas que o
governo está realizando reuniões a respeito da situação da Natex e que se
pronunciaria em breve. Em 2016, o estado tentou privatizar a estatal, mas não
houve interessados.
Neste ano, houve nova tentativa de terceirizar a gestão. Uma
das empresas procuradas para assumir a fábrica foi a Cooperacre, que reúne mais
de 20 cooperativas extrativistas. "Fomos sondados, mas não temos condição
de assumir agora", afirma o presidente, Manoel José da Silva.
Segundo o prefeito do município, outras alternativas em
estudo para a Natex são mudanças logísticas para reduzir custos e mesmo
pessoal. Não está descartada a transformação da fábrica em outro
empreendimento, como uma indústria de luvas cirúrgicas.
Mesmo que se encontre uma saída, a reabertura dos trabalhos
esbarrará em outro problema: a disponibilidade de látex nativo. Sem vender para
a indústria, os seringueiros encontraram outro cliente, justamente a
Cooperacre.
Em vez de látex, a empresa compra o GEB (granulado escuro
brasileiro), composto sólido usado para a fabricação de objetos como pneus e
sola de calçados. Segundo o líder local dos seringueiros, Francisco Assis de
Oliveira, o preço pago pelo produto é similar ao do látex para preservativo.
O trabalho que os seringueiros têm, porém, é bem menor. Isso
porque, para obter o látex, é preciso sangrar a árvore e voltar para recolher o
látex no mesmo dia. No caso do GEB, espera-se mais tempo para retornar. Além
disso, diz, em 2017 a Natex atrasou a compra, gerando insegurança.
Segundo ele, durante um bom tempo a fábrica foi a única
compradora dos extrativistas, mas ultimamente "estava ficando difícil
convencer o seringueiro [a produzir látex]".
Independente da saída, o problema gera desgaste ao governo
Viana. "Eles tinham venda garantida e mesmo assim conseguiram parar a
fábrica", diz o deputado estadual Antônio Pedro (PDT), natural de Xapuri,
que afirma ter recebido denúncias de trabalhadores com salário atrasado.
Ex-diretor de Programa Nacional de DST e Aids, com passagens
pelos governos FHC e Lula, Pedro Chequer conta que a ideia da fábrica de
preservativos começou a ser estudada no fim dos anos 1990, quando havia
problemas constantes na importação do produto para o Brasil.
Hoje, diz, não há mais risco imediato de desabastecimento,
porque há disponibilidade de outros fabricantes e porque muitas pessoas têm
deixado de se proteger. Para ele, porém, o empreendimento era estratégico, ao
gerar renda e ser um passo inicial para a autossuficiência na produção de
preservativos no país.
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