Patrícia Rodrigues e Natália Lambert
Tribuna da Internet
A suspensão da Operação Métis - realizada pela Polícia
Federal nas dependências do Senado, por determinação de um juiz de primeira
instância - pelo Supremo Tribunal Federal (STF) reacendeu a discussão sobre o
fim do foro privilegiado. Atualmente, 22 mil pessoas têm o benefício no Brasil,
considerado o país com mais autoridades resguardadas pelo foro especial no
mundo.
O ex-presidente do Supremo Ayres Britto acredita que tudo
que soa como privilégio numa República é visto com desconfiança. O jurista
defende ser necessário reduzir a quantidade de pessoas beneficiadas.
“Necessita-se de um debate para redução, mas penso que agentes especialíssimos,
como chefes de Poderes, membros de tribunais superiores e ministros do STF
devem continuar com o foro.”
Com o foro privilegiado, o presidente da República,
parlamentares e ministros podem ser julgados apenas pelo STF. O ministro Luís
Roberto Barroso classifica como “um escândalo” a demora que a Corte leva apenas
para receber uma denúncia criminal, cerca de 90 vezes mais lento que juízes de
primeira instância. A lentidão gera um sentimento de impunidade na sociedade.
IMPUNIDADE – “Foro privilegiado aumenta a impunidade porque
os tribunais não são preparados para ações penais”, critica o presidente da
Associação dos Juízes Federais do Brasil, Roberto Veloso. A Ajufe é um dos
órgãos que defende o fim total do benefício. O órgão realiza, inclusive,
pesquisa entre os associados para saber a opinião sobre o tema.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da
República, José Robalinho, ressalta que o Supremo merece elogios por tentar
agilizar os processos, mas as decisões sempre serão mais lentas do que aquelas
deliberadas em primeira instância. O procurador ressalta que a impunidade não
está no órgão em si, mas, sim, na demora. “O STF é duro, justo e não protege,
mas a impunidade ocorre no momento que os processos demoram. Assim, a chance do
acusado escapar é maior”, disse.
UMA DAS CAUSAS – Para o procurador Diogo Castor de Mattos,
integrante da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, a diversidade de pessoas
com direito ao foro privilegiado é uma das causas da injustiça. “O número de
condenações nos tribunais é ínfimo, é quase inexistente, é sinônimo de
impunidade”. Magistrados, parlamentares, ministros, presidente da República e,
às vezes, até vereadores e delegados têm direito ao privilégio.
O argumento principal de juízes e procuradores do país é de
que todos são iguais perante a lei, portanto, não há motivo para distinção.
“Tribunais não são vocacionados para esse tipo de julgamento. STF merece
elogios pela eficiência, mas, por mais que se esforce, não tem a agilidade da
primeira instância”, pondera Robalinho.
De acordo com levantamento feito pelo ministro Luís Roberto
Barroso, uma denúncia na primeira instância é aceita 88 vezes mais rápido do
que no Supremo. A demora, em média, é de mais de 600 dias para aceitá-la. A
morosidade faz com que vários casos prescrevam: de 2013 a 2015, o STF arquivou
pelo menos 290 inquéritos. Destes, 63 foram por prescrição, segundo a Revista
Congresso em Foco.
Muito políticos foram beneficiados pela demora no STF. Aos
85 anos, o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) é mais um dos beneficiados pela
idade, já que as denúncias prescrevem com metade do tempo. Com uma extensa
lista de denúncias de desvio de dinheiro público, inclusive,
internacionalmente, o parlamentar já teve alguns processos extintos no STF, entre
eles, de falsidade ideológica e de crime de responsabilidade contra a
administração pública.
Até novembro de 2014, o senador Fernando Collor (PTB-AL)
respondia por três acusações que motivaram seu impeachment da Presidência da
República em 1992: falsidade ideológica, corrupção passiva e peculato. A
denúncia, que estava na primeira instância, foi transferida ao STF em 2007,
quando o ex-presidente tornou-se senador. As duas primeiras prescreveram e
somente a última foi julgada, na qual ele foi inocentado. Outra denúncia de
falsidade ideológica eleitoral também foi arquivada por ter passado do tempo em
2015. Agora, o senador aguarda o STF receber ou rejeitar uma denúncia
relacionada à Lava-Jato e responde a outros inquéritos na mesma operação.