Há alguns anos, andei perguntando a alguns conhecidos,
moradores de favelas, se o tráfico tinha acabado mesmo e a resposta foi unânime:
as “bocas” continuam exatamente nos mesmos lugares de antes e a única coisa que
mudou foi a postura dos traficantes que passaram a não mais ostentar suas
armas, o que, obviamente, evidencia uma grande fraude.
Carlos Newton
Como todos sabem, o vitorioso esquema de marketing político
de Sérgio Cabral era basicamente montado em cima da farsa das UPPs (Unidades de
Polícia Pacificadora) e jamais teria obtido tanto sucesso se não tivesse a
cumplicidade direta do secretário de Segurança, delegado federal José Mariano
Beltrame. Sem a parceria dele, jamais teria havido o acordo com os traficantes,
que retiraram suas tropas das comunidades “pacificadas” sem disparar um só tiro
e sem que a Polícia efetuasse uma só prisão.
Movida pelas generosas verbas publicitárias do governo
estadual, a mídia deu a maior força à farsa das UPPs e jamais procurou
realmente apurar o que existia por trás dessa espantosa pacificação das favelas
do Rio, que de uma hora para outra se transformaram em pontos turísticos, vejam
a que ponto de insanidade chegamos.
LIBERANDO GERAL – Para conseguir o falso milagre, Cabral e
Beltrame se acertaram com os chefões do tráfico, que passou a ser realizado
mais discretamente e de preferência pelo sistema “delivery”, através dos
motoboys que operam nas comunidades.
É claro que jamais se poderia imaginar que um delegado da
Polícia Federal pudesse participar desse tipo de trama criminosa. Achava-se que
a política de pacificação tinha realmente dado certo, pois nem mesmo os
serviços de inteligência da Polícia Federal e das Forças Armadas foram capazes
de detectar a armação ou, ao menos, levantar suspeitas sobre o estranho sucesso
da iniciativa.
UM FALSO HERÓI – Em plena euforia das UPPs, já havia
indicações de que Beltrame era um falso herói. Em dezembro de 2009 já
denunciamos aqui no blog a armação da dupla Cabral/Beltrame, mas as denúncias
eram recebidas como se fossem mais uma “teoria conspiratória”, porque outros
governadores se animavam e até o governo Lula já falava em adotar as UPPs
nacionalmente, era só que faltava.
Aos poucos, porém, o castelo começou a desmoronar, e em 22
de março de 2012 a Associação dos Delegados de Polícia (Adepol), fez uma
representação à Comissão de Ética do governo Cabral, pedindo a exoneração de
Beltrame por improbidade administrativa. A Adepol anexou provas de que Beltrame
fora nomeado delegado federal irregularmente, no concurso público promovido em
1993, porque o prazo de validade já estava vencido. Além disso, Beltrame tinha
sido classificado apenas em 896° lugar para um concurso cujo edital previa o
preenchimento de apenas 200 vagas, e perdera todas as suas ações individuais,
que já se encontram transitadas em julgado, inclusive no Supremo.
CADA VEZ MAIS IDOLATRADO – A denúncia da Adepol era
procedente, mas não aconteceu nada. Pelo contrário, Beltrame continuou a ser
cada vez mais idolatrado pelo falso sucesso das UPPs. Se tivesse se candidatado
a deputado ou senador, seria eleito facilmente, mas tudo ia bem e preferiu
esperar para sair candidato ao governo estadual.
Logo em seguida, veio à tona que Beltrame estava acumulando
as elevadas remunerações de delegado sênior da Polícia Federal e secretário de
Segurança. Embolsava mensalmente mais de R$ 60 mil reais, muito acima do teto
do Supremo. Mas também não aconteceu nada. Afinal, tratava-se do Beltrame, que
passara a ser tratado como um semideus pela mídia.
MAIS DENÚNCIAS – Embriagado pelo sucesso, Beltrame entrou de
cabeça na corrupção e assinou contratos com o grupo Júlio Simões, passando a
pagar R$ 3,3 mil mensais pela manutenção de cada carro da PM. O Ministério
Público investigou a negociata e o juiz da 7ª Vara de Fazenda Pública, Marcelo
Evaristo da Silva, transformou o ex-secretário em réu numa ação de improbidade
que pede a devolução de quase 135 milhões de reais aos cofres públicos,
acrescida de correção monetária.
Também aparecem como réus o governo estadual e duas empresas
de Júlio Simões: a CS Brasil Transporte de Passageiros e Serviços e a JSL S.A,
esta última acusada de fraude em licitações para a aquisição de viaturas da PM
também na Bahia, que em 2009 resultou na Operação Nêmesis da Polícia Federal,
com prisão de três coronéis, entre eles o ex-comandante geral da PM baiana. Ou
seja, Beltrame operava em boa companhia, digamos assim.
Detalhe importante: no Tribunal de Justiça do Rio tramitam
outras duas ações distintas, relacionadas a seis diferentes contratos feitos
por órgãos do governo Cabral com o grupo Júlio Simões. Todos de compra e
revisão de viaturas, que somados chegam a 1,2 bilhão de reais. Uma verdadeira
festa da corrupção.
CAI A MÁSCARA – No convívio com a famosa turma do
guardanapo, Beltrame também apossou a viver como novo rico e até mandava os
dois filhos “al mare” no luxuoso iate de Cabral, conforme já mostramos aqui na
TI. Na certeza da impunidade, passou a morar no Edificio Courchevel, na Rua
Redentor, 230, em Ipanema, um luxuoso apartamento do empresário Fernando
Magalhães Pinto, principal operador da lavagem de dinheiro de Sérgio Cabral e
Adriana Ancelmo,
Fernand0 Magalhães Pinto é réu no mesmo processo criminal de
Cabral, pediu para fazer delação premiada e prestou uma série de reveladores
depoimentos. Acaba de ser libertado, porque seu acordo foi homologado. Entregou
tudo que sabe sobre o casal 20 da corrupção no Rio de Janeiro e não esqueceu de
abordar seu íntimo relacionamento com José Mariano Beltrame, que ficou como
896º colocado no concurso para delegado da Polícia Federal, mas conseguiu o
milagre de ser nomeado, e 20 anos depois conseguiria outro milagre na fraude da
pacificação das favelas do Rio.
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