Ou seja, o constitucionalista Michel Temer e a advogada-geral
da União Grace Mendonça estão completamente equivocados ao pedir a nulidade da
delação premiada da Odebrecht.
Jorge Béja na Tribuna da Internet
A questão da quebra do sigilo e do vazamento de relatos e
confissões dos que decidiram colaborar com a Lava Jato e outras investigações
está muito mal explicada e interpretada. Em todos os processos que tramitam na
Justiça, a publicidade dos atos processuais é a regra geral. O sigilo, a
exceção. Os processos que correm nas varas de família, por exemplo, são todos
sigilosos. Somente as partes, seus defensores e o Ministério Público podem
consultá-los. Nenhuma peça e nenhum ato desses processos pode ganhar publicidade.
E isso se dá por justíssima razão: o interesse do resguardo pessoal e familiar
prepondera e está acima do interesse público.
Não é do interesse da coletividade briga judicial entre
marido e mulher. Mais ainda quando há filho ou filhos menores. Mas quando a
investigação e mesmo o processo são de natureza criminal e a vítima é o povo,
aí a publicidade de todos os atos passa a ser uma exigência própria do Direito
Natural, que é aquele que nem precisa estar escrito para que a autorização da
publicidade seja dada. Tais investigações e ações são públicas por natureza.
São abertas. Sobre todos eles recai o princípio da publicidade e o sigilo não
tem lugar.
DEPARTAMENTO DE PROPINAS – O pessoal da Odebrecht resolveu
falar e contar a verdade sobre o que se passou no seu Departamento de Operações
Estruturadas, nome imponente e sugestivo de um organograma de aparente suma
importância e de alto gabarito, mas que, na verdade, serviu para encobrir a
administração de operações financeiras criminosas. Quanta cara de pau!
Departamento de Operações para estruturar o roubo do dinheiro do povo
brasileiro. Crimes, medonhos e hediondos, portanto.
Registre-se que esse pessoal não decidiu falar a verdade por
causa de um arrependimento, de uma dor de consciência, do sentimento de
vergonha… Nada disso. Se tivessem vergonha e arrependimento, corruptos e
corruptores já teriam cometido o suicídio. E até agora ninguém se matou.
Suicídio não é desonra. Suicídio é ato de coragem. É gesto de desespero
extremado, que entra na alma, nas entranhas e arrebata o sentimento de uma
pessoa ao ponto dela não resistir à vida. Respeitemos os suicidas.
POR INTERESSE PRÓPRIO – Esse pessoal resolveu falar e contar
a verdade por interesse próprio e receber os benefícios da delação premiada
que, conforme a importância da colaboração, pode até resultar na sua
absolvição. Portanto, não é arrependimento. É interesse.
É para crer que essa gente esteja a contar verdade. Porque
se não for, a situação de cada um deles piorará consideravelmente. Na delação
premiada é assim. Se o delator, também chamado de colaborador, conta a verdade
e ele próprio faz a prova ou possibilita que os investigadores (no caso,
Polícia Federal e Ministério Público Federal) consigam comprovar que o delator
contou, a lei lhe dá muitos benefícios, inclusive a absolvição, como já dito.
Mas se for mentira, sua situação piora muito.
VAZAMENTO É LEGAL – Mas voltemos ao tema central, que é a
questão do vazamento. Diz a lei da delação premiada (lei nº 12.850 de 2013) que
somente após o juiz homologar o acordo de delação e depois de recebida a
denúncia é que o sigilo será levantado, ou seja, tudo poderá ser revelado ao
povo. E essa garantia do sigilo até à homologação e o recebimento da denúncia
visa, apenas, proteger a pessoa do delator, cujo nome e imagem não podem ser
divulgados pela imprensa. Não consta na lei que o vazamento dê causa à nulidade
dos atos praticados na investigação ou no inquérito. Vamos ao artigo 5º da Lei
12.850/2013:
“São direitos do colaborador ter o nome e informações
preservados e não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem
ser fotografado ou filmado, sem prévia autorização por escrito“.
É só isso que diz a lei. Onde está escrito que o vazamento
acarreta o prejuízo da nulidade da delação premiada?
SEM SIGILO – O artigo 7º da referida lei dispõe que o pedido
de homologação do acordo será sigilosamente distribuído e o acordo de
colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia”.
Mas não existe previsão legal que impeça e resulte nulidade
caso venha ocorrer o vazamento.
Nas leis não há palavras inúteis. As leis que tratam de
delação premiada não cominam pena de nulidade no caso de vazamento antes do
recebimento da denúncia. Nem as leis nem o Código de Processo Penal. Logo, tudo
que os delatores relatam no âmbito da delação é para ser divulgado, sim.
ESCONDER A VERDADE – O povo brasileiro é quem precisa saber.
Não é leal, honesto, ético nem jurídico esconder da vítima a verdade que o
ladrão contou à polícia após ingressar em sua casa para roubá-la. No caso
Odebrecht (e de todas as demais delações consequentes à corrupção), os relatos,
as confissões, os desnudamentos da mentira, tudo é para ser público.
Escancaradamente público.
É para ocorrer em audiência pública, com transmissão ao vivo
pela televisão, para que as vítimas – que somos todos nós, o povo brasileiro –
possam ver e ouvir corruptores e corrompidos relatando como o dinheiro do povo
foi roubado, para quem foi, quanto, quando e como foi. Quem tem o direito-dever
de ir às urnas e eleger seus representantes-mandatários, tem também o
direito-dever de assistir aos atos da investigação, do inquérito ou do processo
que apuram as autorias desses crimes de Lesa-Pátria. Nenhum sigilo se
justifica. Afinal, o interesse público é patente e se sobrepõe a qualquer
outro. Não há interesse público maior.
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