“Joaquim Barbosa é mais uma decepção. Gosta de tirar uma
onda (“malaise” para cá, “malaise” para lá), dá pitaco em todo assunto, mas a
verdade é que se acovardou e pediu aposentadoria antes do tempo, ao invés de
continuar enfrentando os petistas do Supremo. E ainda tem coragem de agora
colocar o impeachment de Dilma sob suspeição e defender Lula, o chefão dessa
quadrilha que levou o país à maior crise da história. Essa entrevista só merece
ser publicada para mostrar que Barbosa também é apenas mais uma decepção.”
Folha
O ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim
Barbosa assistiu praticamente em silêncio ao impeachment de Dilma Rousseff e
aos principais fatos políticos deste ano no Brasil. Depois de quase um ano sem
dar entrevistas, Barbosa, que montou escritório em São Paulo e hoje dá palestra
e faz pareceres jurídicos, recebeu a Folha no apartamento de dois quartos que
alugou na cidade.
Para o ex-ministro, que comandou o julgamento do mensalão, o
impeachmentfoi “uma encenação” que fez o país retroceder a um “passado no qual
éramos considerados uma República de Bananas”. Barbosa acha que o governo de
Michel Temer corre o risco de não chegar ao fim.
O senhor escreveu há alguns meses em sua conta no Twitter
que o afastamento de Dilma Rousseff foi um “impeachment Tabajara”. Por quê?
Tabajara porque aquilo foi uma encenação. Todos os passos já
estavam planejados desde 2015. Aqueles ritos ali [no Congresso] foram cumpridos
apenas formalmente. O que houve foi que um grupo de políticos que supostamente
davam apoio ao governo num determinado momento decidiu que iriam destituir a
presidente. O resto foi pura encenação. Os argumentos da defesa não eram
levados em consideração, nada era pesado e examinado sob uma ótica dialética.
O que sustentava esse grupo? Porque dez pessoas apenas não
fazem um impeachment.
Era um grupo de líderes em manobras parlamentares que têm um
modo de agir sorrateiro. Agem às sobras. E num determinado momento decidiram
[derrubar Dilma]. Acuados por acusações graves, eles tinham uma motivação
espúria: impedir a investigação de crimes por eles praticados. Essa encenação
toda foi um véu que se criou para encobrir a real motivação, que continua
válida.
O senhor acha que ainda há risco para as investigações que
estão em curso?
Há, sim, porque a sociedade brasileira ainda não acordou
para a fragilidade institucional que se criou quando se mexeu num pilar
fundamental do nosso sistema de governo, que é a Presidência. Uma das
consequências mais graves de todo esse processo foi o seu enfraquecimento.
Aquelas lideranças da sociedade que apoiaram com vigor, muitas vezes com ódio,
um ato grave como é o impeachment não tinham clareza da desestabilização
estrutural que ele provoca.
O impeachment foi um golpe?
Não digo que foi um golpe. Eu digo que as formalidades
externas foram observadas – mas eram só formalidades.
O impeachment não teve o apoio de setores econômicos?
A partir de um determinado momento, sob o pretexto de se
trazer estabilidade, a elite econômica passou a apoiar, aderiu. Mas a motivação
inicial é muito clara.
E qual é o problema do enfraquecimento da Presidência?
No momento em que você mina esse pilar central, todo o resto
passa a sofrer desse desequilíbrio estrutural. Todas as teorias dos últimos 30
anos, de hipertrofia da Presidência, de seu poder quase imperial, foram por
água abaixo. A facilidade com que se destituiu um presidente desmentiu todas
essas teses. No momento em que o Congresso entra em conluio com o vice para
derrubar um presidente da República, com toda uma estrutura de poder que se une
não para exercer controles constitucionais mas sim para reunir em suas mãos a
totalidade do poder, nasce o que eu chamo de desequilíbrio estrutural. Essa
desestabilização empoderou essa gente numa Presidência sem legitimidade unida a
um Congresso com motivações espúrias. E esse grupo se sente legitimado a
praticar as maiores barbáries institucionais contra o país. Durante alguns
meses, em palestras, eu indagava à plateia: vocês acham que, concluído o impeachment,
numa democracia dessa dimensão, o país sobreviverá por dois anos e meio à
turbulência política que se seguirá?
E qual é a sua resposta?
Nós continuaremos em turbulência. Isso só vai acabar no dia
em que o Brasil tiver um presidente legitimado pela soberania popular. Aceito
de forma consensual, límpida, tranquila, pela grande maioria da população.
O sr. já disse que talvez o governo não chegue ao fim.
Corre o risco. É tão artificial essa situação criada pelo
impeachment que eu acho, sinceramente, que esse governo não resistiria a uma
série de grandes manifestações.
Que outros problemas o senhor vê no governo?
Os cientistas políticos consolidaram o pensamento de que o
presidente depende do Congresso para governar. E não é nada disso. Uma das
características da boa Presidência é a comunicação que o presidente tem
diretamente com a nação, e não com o Congresso. Ele governa em função da
legitimidade, da liderança, da expressão da sua vontade e da sua sintonia com o
povo. Dilma não tinha nenhum desses atributos. Aí ela foi substituída por
alguém que também não os têm, mas que acha que está legitimado pelo fato de ter
o apoio de um grupo de parlamentares vistos pela população com alto grau de
suspeição. Ele [Temer] acha que vai se legitimar. Mas não vai. Não vai. Esse
malaise [mal estar] institucional vai perdurar durante os próximos dois anos.
E na área econômica?
O Brasil deu um passo para trás gigantesco em 2016. As
instituições democráticas vinham se fortalecendo de maneira consistente nos
últimos 30 anos. O Brasil nunca tinha vivido um período tão longo de
estabilidade. E houve uma interrupção brutal desse processo virtuoso. Essa é a
grande perda. O Brasil de certa forma entra num processo de “rebananização”. É
como se o país estivesse reatando com um passado no qual éramos considerados
uma República de Bananas. Isso é muito claro. Basta ver o olhar que o mundo
lança sobre o Brasil hoje.
E qual é ele?
É um olhar de desdém. Os países centrais olham para as
instituições brasileiras com suspeição. Os países em desenvolvimento, se não
hostilizam, querem certa distância. O Brasil se tornou um anão político na sua
região, onde deveria exercer liderança. É esse trunfo que o país está perdendo.
Isso é recuperável?
No dia em que a sociedade despertar e restaurar a
Presidência através de uma eleição em que se escolha alguém que representa os
anseios da nação, isso limpa esse “malaise”, essa perda dos grandes trunfos.
O que o senhor achou da aprovação da lei de abuso de
autoridade na Câmara?
Tudo o que está acontecendo esta semana no Congresso é
desdobramento do controvertido processo de impeachment, cujas motivações reais
eram espúrias. Ou seja: a partir do momento em que se aceitou como natural o
torpedeamento do pilar central do sistema presidencialista, abriu-se caminho
para o enfraquecimento de outras instituições. A lógica é a seguinte: se eu
posso derrubar um chefe de Estado, por que não posso intimidar e encurralar
juízes? Poucos intuíram –ou fingiram não intuir– que o que ocorreu no Brasil de
abril a agosto de 2016 resultaria no deslocamento do centro de gravidade da
política nacional, isto é, na emasculação da presidência da República e do
Poder Judiciário e no artificial robustecimento dos membros do Legislativo.
Tudo isso pode ainda ser revertido pelo Senado, pelo veto presidencial ou pelo
STF. O importante neste momento é que cada um faça uma boa reflexão e assuma a
sua parcela de culpa pela baderna institucional que está tomando conta do país.
E as medidas de combate à corrupção apresentadas pelo
Ministério Público Federal e alteradas na Câmara?
Eu tenho resistência a algumas das propostas, como
legitimação de provas obtidas ilegalmente. E o momento [de apresentá-las] foi
inoportuno. Deu oportunidade a esse grupo hegemônico de motivação espúria de
tentar introduzir [na proposta] medidas que o beneficiassem.
O que o sr. acha da Lava Jato?
Eu acompanho a Lava Jato muito à distância, pela imprensa.
Para mim é a Justiça que está dando toda a aparência de estar funcionando.
O que o senhor acha da hipótese de Lula ser preso?
Eu nunca li, nunca me debrucei sobre essas acusações. Sei
que há uma mobilização, um desejo, uma fúria para ver o Lula condenado e preso
antes de ser sequer julgado. E há uma repercussão clara disso nos meios de
comunicação. Há um esforço nesse sentido. Mas isso não me impressiona. Há um
olhar muito negativo do mundo sobre o Brasil hoje. Uma prisão sem fundamento de
um ex-presidente com o peso e a história do Lula só tornaria esse olhar ainda mais
negativo. Teria que ser algo incontestável.
Para finalizar: o senhor continua na posição de não ser
candidato a presidente?
Eu continuo. Seria uma aventura muito grande eu me lançar na
política, pelo meu temperamento, pelo meu isolamento pessoal, pelo meu estilo
de vida. Eu não tenho por trás de mim nenhuma estrutura econômica, de
comunicação. Nem penso em ter.
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