Dom Evaristo Arns: o que a veja não disse
Por Thiago Kistenmacher, publicado pelo Instituto Liberal
Na Veja desta semana (21/12/2016) a revista dedica algumas
páginas à morte do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns. A matéria, cujo título é
“Adeus ao Gigante”, resume a trajetória deste homem que, apesar de tudo, foi
uma figura marcante na história contemporânea do Brasil. A reportagem, assinada
por Pedro Dias Leite, tenta ser neutra, mas não parece, e o vocabulário
empregado não difere muito da mídia “progressista”. Feita a introdução, vamos
ao que de fato interessa.
Dom Evaristo Arns foi um religioso muito próximo de Dom
Hélder Câmara, o “arcebispo vermelho”, e do frei Leonardo Boff, católicos da
Teologia da Libertação, doutrina que une o cristianismo ao marxismo. Ademais,
de acordo com a própria Veja, além de denunciar as torturas e desaparecimentos
que realmente ocorriam naquele momento, Dom Evaristo Arns “Apoiou o movimento
grevista no ABC (e seu principal líder, Luiz Inácio Lula da Silva)”. Com isso,
o texto também alude ao fato de que “Se fosse hoje, dom Paulo provavelmente
teria no papa Francisco, também ele um franciscano, um aliado”. Afinal de
contas, no período de maior atuação de Dom Evaristo, o papa era um polonês que
conheceu de perto as mazelas causadas pelo comunismo e pelas ideias chamadas
“progressistas”, quer dizer, o papa era João Paulo II.
Mas afinal, o que é que a Veja não disse?
Se a matéria a qual me refiro abordou temas como tortura,
censura, violência, repressão, etc., mas sempre com suas críticas – legítimas,
vale dizer – voltadas a ditadura militar, deveria também explorar o outro lado
da moeda, mas não o fez. O porquê eu não sei…
A Veja cita um discurso feito pelo cardeal no dia 31 de
outubro de 1975 no qual ele diz: “Ninguém
toca impunemente no homem, que nasceu do coração de Deus para ser fonte de
amor. Não matarás. Quem mata entrega a si próprio nas mãos do Senhor da
história e não será apenas maldito na memória dos homens, mas também no
julgamento de Deus.” Até aí tudo bem, já que este é um discurso que se
espera de um cristão, porém, existe uma contradição nisso tudo.
Não haveria problema algum no discurso se o cardeal não
tivesse, em 1969, ajudado dominicanos comunistas que entraram para a ALN (Ação
Libertadora Nacional), um grupo terrorista chefiado por Carlos Marighella. (Se
o leitor acredita que Marighella não foi um terrorista, recomendo o texto que
trata sobre o livro Manual do Guerrilheiro Urbano, escrito pelo líder da ALN).
Curioso é que no mesmo ano do discurso, um panfleto escrito por militantes da
ALN declarava: “Todos nós somos guerrilheiros, terroristas e assaltantes e não
homens que dependem de votos de outros revolucionários ou de quem quer que seja
para se desempenharem do dever de fazer a revolução.” Um pouco disso pode ser encontrado no livro e
no filme Batismo de Sangue que, embora tenha sido escrito por alguém não
insuspeito como Frei Betto, dá uma dimensão do envolvimento dos religiosos
dominicanos na luta armada e em ações extremistas. Se Dom Evaristo foi a favor
dos direitos humanos, de uma forma ou de outra também foi a favor do
terrorismo.
No discurso citado acima o cardeal defende a vida, relembra
o quinto mandamento cristão, entretanto, defendeu guerrilheiros que, em suma, a
partir de 1967, iniciaram seus assaltos a bancos, sequestros, entre outras
ações criminosas. O próprio autor do Manual do Guerrilheiro Urbano, isto é,
Marighella, logo no início de seu texto, aponta que um dos objetivos essenciais
do guerrilheiro urbano é “A exterminação física dos chefes e assistentes das
forças armadas e da polícia.” Também aponta que “todo guerrilheiro urbano tenha
em mente que somente poderá sobreviver se está disposto a matar os policiais e
todos àqueles dedicados à repressão.”
E tem mais. Marighella, um comunista obcecado e que aos
olhos de muitos apaixonados é visto como alguém que lutava pela democracia, assinala
que “matar um espião norte-americano, um agente da ditadura” deve ser uma ação
realizada por um atirador “operando absolutamente secreto e a sangue-frio.”
Enfim, dentre tantas instruções bizarras, Marighella afirma que “o terrorismo é
uma arma que o revolucionário não pode abandonar.” Dentre os quatro sequestros
de diplomatas realizados no Brasil, a ALN tomou parte na ação de dois. Foram
eles: o sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick e do
alemão Ehrefried Von Holleben.
Nas palavras de Stédile – o comandante do “exército” do PT,
ou seja, do MST -, “Arns impulsionou o
surgimento dos movimentos populares rurais que surgiram no país nas últimas
décadas.” Ele complementa: “A maioria
dos movimentos do campo que hoje existem – MST, MAB [Movimento dos Atingidos
por Barragens], Movimento dos Pequenos Agricultores, Comissão Pastoral da
Terra, Cimi [Conselho Indigenista Missionário] -, nascemos orientados por vossa
sabedoria, que pregava: Deus só ajuda quem se organiza.” Sabemos que Stédile
não é alguém muito simpático a democracia. E não para por aí, mas creio que por
ora seja o suficiente.
Durante um longo tempo Dom Evaristo celebrou missas nos dias
de finados e que tinham como homenageados aqueles que foram mortos sob a
repressão dos militares. Resta saber se o religioso também rezou missas por
aqueles que foram assassinados pelos guerrilheiros comunistas em seus
“justiçamentos” – nome dado às execuções – ou pelos que foram afetados por suas
explosões.
Mesmo assim não acho ético comemorar a morte de alguém. Não
que eu seja defenda o politicamente correto, no entanto, creio que não seja
necessário – como fizeram alguns católicos mais conservadores – comemorar a
morte do cardeal. Conforme já apontou Rodrigo Constantino em vídeo, embora não
devamos “canonizá-lo” pelo seu engajamento político à esquerda, como a grande
mídia fez, celebrar sua morte é algo descabido. Quando Fidel Castro faleceu,
por exemplo, preferi comemorar a possível libertação futura do povo cubano em
vez de focar no cadáver de seu algoz.
E por falar em Fidel Castro, como se não bastasse tudo que
citei acima, vale dizer que Dom Evaristo Arns chegou foi um admirador declarado
do ditador cubano. Em uma carta enviada pelo cardeal a Fidel Castro e
posteriormente publicada no jornal cubano Granma, Dom Evaristo Arns escreveu:
“Queridíssimo Fidel,
Paz e bem
Aproveito a viagem de
Frei Betto para lhe enviar um abraço e saudar o povo cubano pela ocasião desde
30º aniversário da Revolução. […] A Fé cristã descobre nas conquistas da
Revolução os sinais do Reino de Deus que se manifesta em nossos corações e nas
estruturas que permitem fazer da convivência política uma obra de amor. […]
Infelizmente ainda não se deram as condições favoráveis para que se efetue o
nosso encontro. Tenho-o presente diariamente em minhas orações e peço ao pai
que lhe conceda sempre a graça de conduzir os destinos da pátria. […] Receba
meu fraternal abraço nos festejos pelo XXX Aniversário da Revolução cubana e os
votos de um ano novo promissor para o seu país.
Fraternalmente,
Paulo Evaristo Cardeal
Arns.”
Perceba que a carta foi escrita em 1988, isto é, quando
Fidel Castro somava trinta anos no poder. Democracia? Em 1988 já era tempo de o
cardeal perceber que os comunistas cubanos que mandavam na ilha há três décadas
não estavam nem um pouco preocupados com democracia. Aliás, era essa a “democracia”
que defendiam os dominicanos guerrilheiros os quais Dom Evaristo Arns defendeu
com tanta veemência.
A Veja também poderia ter levado em consideração esse outro
lado daquele que chamou de “gigante”, não é mesmo?
Viva la Revolución! Descansa en paz, cardenal!
Apenas para corrigir um equívoco, o Papa Francisco não é franciscano, é jesuíta e o nome Francisco não é homenagem ao santo de Assis, embora o papa faça de conta que sabe que as pessoas estão enganadas sobre isso.
ResponderExcluirSe existe, em algum local improvável, neste Universo, um lugar onde as almas das pessoas são julgadas, como informam os mitos, então o melífluo e hipócrita não descansará em paz, como deseja a última frase...
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