sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Cesar Benjamin explica como Lula e Dirceu manipularam o sonho do PT

A entrevista está sendo publicada por partes na Tribuna da Internet. Esta segunda parte é bem interessante e mostra exatamente que Lula e Dirceu nada mais queriam além de poder e dinheiro.

Parêntesis - apenas como esclarecimento, saibam quem é Cesar Benjamin:

Militante do movimento estudantil secundarista em 1968, passa à clandestinidade depois da decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro desse ano. Junta-se, então, à luta armada contra o regime militar, ligando-se ao MR-8. Preso em meados de 1971, aos 17 anos, sofre tortura em interrogatórios. Em consequência, sofreu perda unilateral da audição. É expulso do país no final de 1976, exilando-se na Suécia.

César Benjamin voltou ao Brasil em 1978. Com a Lei da Anistia, pôde retomar a atividade política, sendo um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores.

Coordena a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de 1989, quando Lula é derrotado por Fernando Collor.

Em 1995, César Benjamin deixa o PT por divergências de opinião, que já se vinham avolumando desde 1989. No final dos anos 1990, funda a Editora Contraponto.

Em 2004, filia-se ao recém criado Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) - constituído por dissidentes do Partido dos Trabalhadores -, pelo qual será candidato a vice-presidente da República nas eleições de 2006, na chapa da senadora Heloisa Helena. Ainda no fim de 2006, em desacordo com decisões internas do partido, desfilia-se do PSOL.

Em 20 de dezembro de 2016, foi anunciado como futuro secretário de Educação, Esporte e Lazer, da cidade do Rio de Janeiro, na gestão Marcelo Crivella.

Na segunda parte da entrevista de Zuenir Ventura com o editor e jornalista Cesar Benjamim, feita em 2007 para o livro “1968: o que fizeram de nós”, o futuro secretário de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro fala sobre a criação do PT e manipulação do partido por Lula e José Dirceu para chegar ao poder, ao transformarem a legenda dos trabalhadores numa máquina eleitoral poderosa, mas inofensiva ao esquema de poder existente no país.

ZUENIR VENTURA – Quando você saiu do PT e por quê?
CESAR BENJAMIM – Fui expulso do Brasil em 76 e voltei em 78, antes da anistia, animado com o avanço do movimento pela redemocratização e o ressurgimento do movimento operário. Ajudei a fundar o PT e militei nele, intensamente, até 95. Saí quando comecei a ver coisas muito estranhas. Na verdade, foi um processo que culminou em 94, mas começou em 89. Você deve se lembrar como foi aquela campanha. Aliás, não foi uma campanha, mas um movimento no Brasil inteiro: primeira eleição presidencial depois de décadas! O Lula começou com 2,5%. Não tínhamos nada, mas éramos milhares, cheios de garra. O povo foi entendendo isso. Me lembro de uma noite ali no Catete, em frente a uma loja de televisores, uma pequena multidão de umas 50 pessoas vendo o horário eleitoral, e eu no meio. Eu participava da coordenação do programa de governo da campanha, e naquela noite o nosso programa de TV estava especialmente bem-feito, transmitindo muita autenticidade. Senti uma eletricidade percorrendo as pessoas, uma emoção, um silêncio profundo, emotivo e respeitoso. Cheguei em casa e disse para a minha mulher: “Nós vamos ganhar a eleição”. E ela: “Você está louco”. Praticamente ganhamos, pois saímos de 2,5% e chegamos a 49%. Paradoxalmente, foi no fim dessa campanha que me acendeu a luz amarela com o Lula.

Como assim?
Na reta final, houve o episódio da grosseira manipulação do debate Lula versus Collor na Globo. No dia seguinte, fizemos uma manifestação de protesto na porta da emissora, uns oito mil militantes. A edição do debate foi numa sexta à noite; a manifestação foi no sábado; no domingo foi a eleição. Collor venceu por pequena margem, e a edição do debate foi decisiva para esse resultado. Nos dias seguintes, fui para São Paulo. Lá, logo depois dessa seqüência de eventos, encontrei o Lula, que me disse: “Cesinha, sabe quem me ligou anteontem?” Como eu não sabia, ele completou: “O Alberico, da Globo.” Justamente quem tinha feito a montagem do debate, conforme os jornais haviam noticiado. Fiquei calado e o Lula prosseguiu: “Jantei com eles ontem. Derrubamos três litros de uísque”. Aquilo doeu. Enquanto colocávamos oito mil militantes na porta da Globo, a nossa maior liderança jantava e bebia com a direção da emissora. Ele se justificou: “Não vou brigar com a Globo, não é, Cesinha?” Ali me acendeu uma luz amarela: algo estava muito errado. O Brizola estava se expondo publicamente, contestando a Globo e defendendo o Lula, enquanto o Lula jantava com a direção da Globo, escondido. Hoje compreendo que, naquele momento, o Brizola começou a ser destruído definitivamente, e o Lula, demonstrando uma espinha muito flexível, começou a desbloquear sua carreira política. Eu não exigiria que ele hostilizasse a Globo, poderia fazer qualquer coisa, mas não derrubar três litros de uísque com eles naqueles dias. Isso me pareceu falta de dignidade pessoal.

Você tem uma explicação para isso?
Hoje eu compreendo o que aconteceu. A partir de 89, o Lula passou a ter uma difícil equação política para resolver. Queria ser presidente, e para isso precisava ter um partido político suficientemente forte para sustentar essa pretensão. Mas esse partido não podia ser aquele que havíamos construído, um partido vivo e militante. Com aquele PT, ele seria sempre vetado pela elite do país, como foi em 89. Se queria chegar à presidência, demonstrando-se confiável, precisava transformar o partido em outra coisa. O Zé Dirceu ganhou importância porque se tornou o grande operador dessa transformação. O Lula não é um operador. A dobradinha que se formou atendia aos dois: ao Lula, porque a destruição do PT militante pavimentaria o seu caminho à presidência, já na condição de um candidato dos de cima, o que ele sempre quis ser; e ao Zé Dirceu, pois, se tudo desse certo, ele seria o sucessor natural do Lula. Houve uma combinação de interesses. Isso exigia um processo de desmontagem do PT, de transformação do partido numa máquina eleitoral poderosa, mas inofensiva. Foi nessa operação que os dois se lançaram, conjuntamente. Mas a luta política é algo vivo. Em 93 o PT fez um congresso e a nossa chapa ganhou, contra a Articulação. Foi então que eles se deram conta – isso é uma interpretação minha – de que o projeto não podia ficar ao sabor do debate de idéias, sempre sujeito a tantas incertezas. Eles teriam que ter algo mais poderoso do que o convencimento. Introduziram no PT uma arma nova: dinheiro. Quem, numa disputa ou numa guerra, introduz uma arma nova, desconhecida, adquire uma superioridade monumental sobre o adversário. É por isso que os chamados “operadores” ganharam importância: nessa época, Delúbio Soares, por exemplo, era o obscuro representante da CUT no FAT, que é uma enorme fonte de dinheiro. Nenhum de nós pôde perceber, em tempo real, a dimensão da mudança que estava acontecendo, até porque tudo se passava nas sombras. O fato é que a Articulação começou a manejar recursos crescentes. Isso absorveu muitas prefeituras do PT – Santo André, Ribeirão Preto, muitas outras. Os esquemas foram se multiplicando. Marx tem uma frase em que ele fala no “poder dissolvente” do dinheiro. Onde o dinheiro domina, as qualidades se dissolvem. Lula e Zé Dirceu foram dissolvendo o PT em um banho de dinheiro, cooptando todos os que podiam cooptar. Patrocinaram uma seleção negativa, que favorecia os piores.

Você não pensou em denunciar ao Lula?
Quando comecei a ver gente lombrosiana ganhando cada vez mais importância, procurei o Lula e ele disse para eu não me meter. Foi quando decidi debater na direção nacional o que estava acontecendo: era muito grave! Mas, naquele momento, ninguém mais se propunha a enfrentar o Lula e o Zé Dirceu.

Você tinha provas?
Àquela altura, isso não era mais novidade. Na medida em que os esquemas se tornam grandes e influentes, deixam sinais, seus efeitos são percebidos, mesmo por quem não tem provas materiais. As notícias começam a circular nos corredores. Decidi então que o gesto que me restava, em nome de 16 anos de militância no PT e em nome da história da esquerda, era fazer um alerta na instância máxima do partido, o Encontro Nacional. Lá, em Vitória, comecei a tratar do assunto da tribuna, de onde eu avistava o plenário e a mesa. Quando comecei a falar, vi o Zé Dirceu se levantar, ficar de costas para a mesa e de frente para o plenário. Enquanto eu falava, ele fazia sinais para a turma de Santo André. De repente, meu pronunciamento foi interrompido de maneira violentíssima. Vieram para me espancar, diante de todo mundo. O meu discurso foi interrompido e instaurou-se o caos. Depois, alguns me contaram por que eles agiram com tanta violência: acharam que eu ia abrir os esquemas. Não ia, simplesmente porque não os conhecia. Mas, como levantei o assunto, eles se apavoraram e partiram para a porrada. Ali foi meu último momento no PT. Como não consegui da direção nacional nenhum debate, escrevi uma carta de desfiliação e saí do partido. Eu nunca me profissionalizei na política, sempre trabalhei como qualquer cidadão e vivi do meu trabalho. Isso garantiu minha autonomia diante da máquina burocrática. Muitos não tiveram essa possibilidade.


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