Já que Carmen Lucia cancelou os convescotes de fim de ano no Supremo, que tal se ela cancelasse as férias também e começasse a trabalhar para valer?
Estadão
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal,
acumula, em seu gabinete, 47,02% da fila de 3.298 habeas corpus que aguardam
julgamento. São 1.426 habeas corpus sob sua relatoria - o mais antigo de 2008
(HC 94.189) -, segundo a estatística oficial do STF, duas vezes confirmada pelo
ministro, por seu gabinete.
É 4,9 vezes a mais do que o segundo colocado, o ministro
Luiz Fux, que tem 291 HCs sob sua responsabilidade. Ou 9,3 vezes a mais do que
os 152 relatados pelo ministro Edson Fachin, o ministro que menos tem habeas
corpus no gabinete, considerando-se a distribuição regular, segundo a
estatística oficial da última sexta-feira.
Insistentemente questionado sobre o porquê da diferença
muito maior para seus outros dez colegas de toga, Marco Aurélio não respondeu.
Há pouco mais de quatro anos, em julho de 2012, quando seu gabinete acumulava
747 habeas-corpus, ele disse, referindo-se a si próprio:
- A carga de trabalho, para o ministro que pega no pesado,
que não transfere processo a assessores e juízes, é desumana.
À época, o ministro Celso de Mello, que também não aceita
juiz auxiliar, tinha 868 habeas corpus. Hoje, tem 249. E Marco Aurélio quase
que dobrou.
Habeas corpus ad subjiciendum - do latim, "que tenhas o
teu corpo" - é remédio jurídico para ontem. Está previsto no artigo 5º,
inciso LXVIII, da Constituição: "Conceder-se-á habeas corpus sempre que
alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".
Qualquer pessoa física pode pedi-lo - é o
"paciente", no termo processual -, contra o acusado de ferir o
direito, chamado de "coator". Não exige nem sequer advogado e pode
ser feito, sem nenhuma formalidade, até em papel de embrulho.
- É um atalho processual para situações emergenciais e
graves, que precisam de resposta rápida - diz o penalista Rafael Mafei,
professor do Departamento de Filosofia e Teoria do Direito da Universidade de
São Paulo (USP). - No Supremo, como em outros tribunais, essa rapidez é
comprometida pelo acúmulo de processos e, também, pela gestão autocrática dos
ministros em relação ao tempo e à pauta de julgamentos.
A estatística disponível no STF mostra que alguns HCs, entre
os 3.298 que lá tramitavam - 2,7% dos 84.015 processos protocolados até a
última sexta-feira -, estão represados desde os anos 2000. O mais antigo de
todos é o HC 87.395, de 2005. Um de seus pacientes é o hoje delegado de polícia
Mário Sérgio Bradock Zadescki, de Bocaiuva do Sul. Ao pedir, pelo telefone, que
falasse sobre o caso, o Estado ouviu palavrões e ameaças.
O caso chegou à Justiça em 2003. Bradock já era delegado e
também deputado estadual pelo PMDB. Com foro privilegiado, foi denunciado pelo
Ministério Público ao Tribunal de Justiça pelos crimes de tortura, homicídio e
tentativa de homicídio, entre outros. O TJ aceitou a denúncia, decisão
confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Na iminência de uma sentença condenatória, seu advogado
entrou com o pedido de HC no Supremo. Alegava, grosso modo, ilegalidades no
curso do processo, questionando a validade de investigações feitas pelo MP -
uma discussão recorrente no STF.
Percurso
O 87.395 passou pelos ministros Carlos Veloso e Ricardo
Lewandowski, quando o substituiu.
Em outubro de 2006, Lewandowski o levou a julgamento na
Primeira Turma. Cármen Lúcia pediu vista. Quando o devolveu, dois anos depois,
em plenário, Joaquim Barbosa pediu vista. Mais um ano, e novo pedido de vista,
de Ayres Britto. Foi herdado por Luís Roberto Barroso, que o substituiu. Em 7
de outubro de 2015 - dez anos depois -, Barroso o liberou para julgamento. Está
com a presidente Cármen Lúcia, à espera de entrar na pauta.
Volume de processos
Dos dez casos mais antigos de habeas corpus em tramitação no
Supremo Tribunal Federal - entre 2005 e 2009 -, quatro estão com o ministro
Marco Aurélio Mello e três estão no gabinete do ministro Celso de Mello.
Marco Aurélio não dá explicações específicas nem genéricas
sobre a demora. Já o gabinete de Celso de Mello afirmou que os 249 habeas
corpus que estão com o ministro "resultam do grande volume de processos
que tramitam no próprio Supremo Tribunal Federal, realidade vivida pelos
Tribunais superiores".
O chefe de gabinete do ministro decano, Miguel Ricardo
Piazzi, citou como exemplo os habeas corpus impetrados junto ao STJ, que tem
recebido "enorme volume de processos dessa natureza, o que se reflete, por
via de consequência, no elevado número de processos de habeas corpus no
STF".
O chefe de gabinete relatou novidades sobre o caso do HC
93.921, de 2008. Naquele ano, o ministro já havia negado a liminar. E o mérito,
confirmando a negativa, foi analisado em 4 de novembro último, oito anos
depois. Na quarta-feira, o advogado do paciente entrou com um recurso contra a
decisão.
- Já chegou no gabinete - disse Piazzi. Ou seja: continuará
tramitando.
Daiane Nogueira de Lira, chefe de gabinete do ministro Dias
Toffoli, informa que dos 158 habeas corpus sob sua relatoria, 67 estão no
gabinete, conclusos ao relator. Os demais podem estar com pedido de vista para
outro ministro, para a Procuradoria-Geral da República, ou aguardando alguma
providência em setores internos do Tribunal.
O gabinete de Toffoli tem um setor específico para cuidar
dos HCs, com a recomendação de prioridade. O ministro recebeu 516 habeas corpus
entre janeiro e a quarta-feira, informou o gabinete. O recorde foi em agosto,
com 82 processos. Desde que entrou no STF, em 2009, até aqui, o ministro
recebeu 2.987 habeas corpus, e julgou 2.823. É a melhor marca do tribunal.
Continua pendente, desde 2011, o HC 109 706. Toffoli
proferiu o voto, na primeira turma, em setembro de 2011. A ministra Carmem
Lúcia pediu vista. Devolveu para julgamento três anos depois, em 10 de outubro
de 2014. Depende, agora, que ela própria, presidente, o inclua na pauta. A
ministra-presidente não quis falar sobre a questão dos HCs no Supremo.
No gabinete do ministro Luís Roberto Barroso chegam, em
média, 69 processos entre habeas corpus e, também, recursos de habeas corpus
(RHC).
Segundo o gabinete, a média de prazo para despacho da
liminar é de sete dias. "Herdei um estoque antigo de 357 (HCs e RHCs). Boa
parte deles já estava prejudicada, ou porque o réu já havia sido solto ou
porque já havia sido condenado", afirmou o ministro em e-mail enviado pelo
gabinete.
"Alguns poucos desses ainda não foram extintos por não
estarem na lista de prioridades. A prioridade vai para os novos casos, com
pedido de liminar."
Dos 188 casos registrados até a sexta-feira, 75 já estavam
julgados por decisão monocrática, com interposição de recursos, sob análise
para inclusão em pauta de julgamento. Dos 188, 17 liminares seguem pendentes.
Mais pedidos
Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
Claudio Lamachia, a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, por 6 a 5, de
permitir a prisão já a partir da segunda instância, vai aumentar
significativamente o número de habeas corpus.
- A sistemática de decisão tem de ser mais objetiva,
estabelecer prioridades - disse.
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