Antes do artigo de Demetrio Magnoli na Folha (que eu ainda
não li, mas já terei lido antes de publicá-lo, é claro) eu gostaria de dizer que
Cuba poderia ter “saúde e educação notáveis” antes de Fidel, porque classificar
o que se tem notícia sobre o que é a ilha-presídio hoje de “notável” é um
bocado de licença poética. A completa falência da saúde e, em vez de educação,
a doutrinação idiotológica ocupando 80% do tempo e espaço dos jovens estão fartamente
exibidas no YouTube para quem quiser ver.
O mais curioso desse artigo do Demetrio (agora depois de lê-lo)
é que ele, esquerdista, só cita a Cuba pré-Fidel, ignorando completamente o que
ocorre hoje por lá.
Cabe dizer que em “O que foi Cuba pré-Castro”, eu dei uma ideia sobre assunto com dados
pesquisados em várias fontes.
Na sua capa, à guisa de epitáfio, a Folha (27/11) ofereceu a
Fidel Castro uma espécie de absolvição histórica: “A ditadura é reconhecida por
ter melhorado as condições de saúde e educação na ilha caribenha”. O mito da
ditadura benigna emergiu, em formulações similares, nas declarações de FHC e
José Serra, refletindo um consenso dos que, ao menos, recusam-se a elogiar
fuzilamentos sumários ou o encarceramento de dissidentes. Temo estragar a festa
contando um segredo de Polichinelo: a Cuba pré-castrista exibia indicadores de
saúde e educação tão notáveis quanto os atuais.
Fulgêncio Batista dominou a política cubana durante um
quarto de século, até a revolução de 1959. Em 1937, no seu segundo ano de
poder, instituiu o salário mínimo e a jornada de oito horas, antes do Brasil
(1940) e de qualquer país latino-americano. No início da segunda década da “era
Batista”, em 1955, a taxa de mortalidade infantil em Cuba (33,4 por mil) era a
segunda menor na América Latina.
O embargo econômico dos EUA contra Batista (sim, Batista!)
começou em 1957. Naquele ano, a taxa de mortalidade infantil cubana (32 por
mil) estava entre as 13 mais baixas do mundo, perto da canadense (31) e menor
que as da França (34), Alemanha (36) e Japão (40). Atualmente, segue baixa, mas
já não está entre as 25 menores do mundo. No mesmo ano, Cuba aparecia como o
país latino-americano com maior número de médicos per capita (um por 957) e a
maior quantidade de calorias ingeridas por habitante (2.870).
Enquanto promovia centenas de execuções sumárias, o regime
castrista conduziu campanhas de alfabetização rural tão inúteis quanto o Mobral
de Emilio Médici. Como no Brasil, o analfabetismo reduziu-se quase à
insignificância pelo efeito inercial da universalização do ensino básico. Mas
Cuba partiu de patamar invejável: as taxas de alfabetização de 1956, quando os
guerrilheiros chegaram à Sierra Maestra, colocavam a ilha na segunda posição na
América Latina (76,4%), bem à frente da Colômbia (62%) e do Brasil (49%). Todas
essas estatísticas estão na série da anuários demográficos publicados pela ONU
entre 1948 e 1959, hoje disponíveis na internet. O jornalismo prefere
ignorá-las, repercutindo a cartilha de propaganda castrista.
Batista fugiu para a República Dominicana no Ano Novo de
1959. Se, na época, a Folha aplicasse o critério que usa para Fidel, teria
escrito que a ditadura de Batista “é reconhecida por ter melhorado as condições
de saúde e educação na ilha caribenha”. Por sorte, não o fez: Cuba não foi
salva por Fidel nem pelo tirano que o precedeu. Médicos cubanos realizaram a
primeira anestesia com éter em terras latino-americanas (1847), identificaram o
agente transmissor da febre amarela (1881) e inauguraram a pioneira máquina de
raio-X da América Latina (1907). Antes de Batista, em 1931, a taxa de
mortalidade geral cubana (10,2 por mil) era menor que a dos EUA (11,1).
Governos têm importância menor que a “história profunda”.
Nos tempos coloniais, Cuba foi a “joia da coroa” espanhola no Caribe, um dos
mais dinâmicos centros hispano-americanos, atraindo uma numerosa elite
econômica e intelectual. A excelente faculdade de Medicina de Havana, os
hospitais e as escolas do país nasceram no mesmo solo cosmopolita que produziu
José Martí, apóstolo da independência, a Constituição democrática de 1940 e o Partido
Ortodoxo, berço original do grupo revolucionário liderado por Fidel. Dia e
noite já se sucediam em Cuba antes do triunfo final da guerrilha castrista, na
Batalha de Santa Clara.
Frei Betto dirá que a presciente ONU falsificou
preventivamente as estatísticas colhidas na era pré-revolucionária para
presentear o imperialismo ianque com torpes argumentos anticastristas. Apesar
dele, os malditos anuários teimam em narrar uma história inconveniente. Hasta
siempre, Comandante!
frei betto, um rasputin tupiniquim...
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