quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Cultura e Riqueza – Um retrato dos EUA escrito em 1936 por Monteiro Lobato

Trechos do livro “O Escândalo do Petroleo e Ferro”, p247-249


“Cultura é simples floração da riqueza. Em país pobre não pode viçar cultura, como não viça planta em terra maninha. Se na América do Norte há 31.000.000 de alunos nas escolas publicas, cuidados por um exército de 900.000 professores, é porque o país pode despender com o ensino público 2.220.000.000 de dólares, ou seja, ao câmbio de hoje, 28 milhões e 600 mil contos. Não houvesse riqueza criada na proporção em que há, e o país não poderia, cada ano, consagrar ao ensino tão formidável dotação.”

“Se em 1929 havia 21 milhões e tantos alunos matriculados em escolas primárias particulares, e mais 4 milhões nas secundárias do mesmo tipo, é que a riqueza do país permite aos seus habitantes esse luxo.”

“Se nesse mesmo ano houve 919.381 alunos matriculados nas universidades foi porque a riqueza criada permitiu que esse ensino superior pudesse ser pago. Os alunos contribuíram com taxas de matrículas no valor de 178.130.802 dólares; o patrimônio produtivo das universidades contribuiu com 58.168.834 dólares; os estados e municipalidades, com 115.125.154; o governo federal, com 17.167.424; os mecenas doadores com 114.682.205. O total da receita dessas altas casas de ensino subiu nesse ano a 546.674.226 dólares - ou mais de 7 milhões de contos. Não houvesse riqueza criada e seria impossível tal movimento.”

“Se há lá 57 universidades e grandes escolas de ensino superior, com bibliotecas somando, em 1928, 40.498.291 volumes, com terrenos no valor de 298 milhões de dólares, com edifícios valendo 1 bilhão e 18 milhões, com patrimônio produtivo no total de 1 bilhão e 150 milhões de dólares, é porque há dólares. Não os houvesse, não houvesse riqueza criada, e as estatísticas americanas diriam o mesmo que dizem as nossas.”

“Se há lá 584 colégios e universidades é porque a riqueza não só permitiu os meios de os criar como permite a freqüência que os manchem. Suprima-se essa riqueza e tamanha legião de focos de cultura desaparece. Cultura é função de riqueza, e muito me espanta a necessidade de proclamar semelhante coisa como se fora novidade.”

“S. Paulo tem mais instituições de ensino que os outros estados do Brasil justamente porque se enriqueceu mais. Depois da queda do café, porém, e em conseqüência do enfraquecimento econômico da sua população, essas instituições começaram a sentir os efeitos da crise. Sabemos de colégios particulares em que a freqüência este ano caiu a 50% abaixo do nível em que se manteve até 1929. Outros apresentam percentagem ainda mais baixa. Continue a depressão ainda por alguns anos, e muitas dessas casas de ensino se verão forçadas a fechar. Perpetue-se ela, empobreça-se S. Paulo à moda da Amazônia, e todas desaparecerão.”

“Nada mais claro, lógico, intuitivo. No entanto, um dos nossos grandes sociólogos, jornalista tonante, não o entende assim. Acha que devemos cuidar de escolas e universidades antes de qualquer outra coisa. Não diz, porém, com que meios criá-las, nem como famílias que andam a fazer prodígios para encher o estomago possam botar lá os filhos.”

“Chega a meter dó ver Mario Pinto Serva gastar tanto papel, tinta e indignação no seu perpetuo clamor por instrução popular e alta cultura. E, mais, vê-lo dar a riqueza como produto da cultura, quando a lição dos povos nos mostra, da maneira mais flagrante, justamente o contrário. A cultura sai da riqueza, porque cultura exige meios que só a riqueza dá. Temos que seguir o caminho de todos os povos que se cultivaram: - desenvolver-nos economicamente. A cultura virá em seguida, automaticamente, naturalmente, como vem a flor à arvore bem enseivada que atinge o momento da florescência.”

“Qual o pai, por bruto que seja, que não aspira, por egoísmo, por vaidade, por negócio, fazer do filho um doutor? Se o não faz, se o não mete em escola superior, é que não pode, é que não acumulou meios para isso. Tão lógico, tão comezinho - e Pinto não compreende...”


16 comentários:

  1. Não conheço os textos de Maio Pinto Serva, mas o raciocínio de Monteiro Lobato está equivocado. A riqueza não gera cultura automaticamente, é necessário investir parte significativa da riqueza em escolas. O Brasil sempre teve riqueza suficiente para investir em escolas, não fez porque seguiu justamente o raciocínio de Monteiro Lobato.

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  2. Ricardo
    Saboroso texto, que não tinha lido antes. Principalmente pelo verbo viçar, sinônimo de vicejar. Só conhecia este último.
    Não entendi o Milton, pois Lobato foi muito claro, principalmente na frase "A cultura sai da riqueza, porque cultura exige meios que só a riqueza dá". Em nenhum lugar do texto está escrito que a riqueza gera cultura automáticamente...

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    1. Magu, a cultura não SAI da riqueza. Além do mais, escola não é lugar de promover cultura, mas sim conhecimento. O Lobato segue o raciocínio de que, quem não tem riqueza deve trabalhar e não estudar, essa é uma das diferenças entre a teoria de Adam Smith (livre mercado) e o capitalismo, Adam Smith tinha no ensino uma forma de distribuição de riqueza.

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    2. Está bem, magnífico guru (copiando Rolando Lero, da Escolinha do Prof. Raimundo), estava esperando essa resposta ou algo parecido. Vou repetir a frase que Voltaire NÃO disse, mas que sua biógrafa Evelyn Hall lhe atribuiu:
      "I disapprove of what you say, but I will defend to the death your right to say it"(Eu discordo do que você diz, mas vou defender até a morte seu direito de o continuar dizendo, em tradução livre).

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    3. Eu também defendo seu direito de se pronunciar, inclusive gostaria de conhecer o seu argumento para reprovar o que eu disse.

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  3. Sinceramente, Milton, eu também não entendi seu comentário. Lobato em momento nenhum disse que a geração de cultura é automática. Seu pensamento é claro ao falar da relação entre riqueza e cultura, e sua tese é facilmente comprovável no mundo de hoje onde a cultura está intimamente associada ao PIB dos países.

    Lembrando apenas que o texto é composto de frases pinçadas de um livro, e não obedecem necessariamente a uma concatenação de ideias.

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    1. O que você entende por "A cultura sai da riqueza, porque cultura exige meios que só a riqueza dá"?

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    2. Exatamente o que diz a frase.

      Quando Lobato fala em cultura é preciso que se leia também ensino que, de certa forma, até podem ser lidos de maneiras diferentes, sendo que o segundo depende exclusivamente da grana e o primeiro, muito depende muito mais ada porralouquice dos intelequituais.

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    3. Puerra, errei tudo, mas deu pra entender.

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    4. Entendi. Mas o ensino também é uma forma de riqueza e de produção de riquezas. O Lobato coloca o ensino como um privilégio para quem tem riqueza e não como algo no qual a riqueza deve ser investida, algo que não me surpreende, pois ele defendia a fundação da Ku Klux Khan no Brasil.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. (argento - "voto cidadão" é mito) ... complicadas, a natureza e a última flor do Lácio. Uma semente cai no solo e, em condições favoráveis, dela nasce uma árvore; alcançada a fase adulta, Floresce; fecundadas, as flores, produz Fruto. Flores não fecundadas e frutos não colhidos, caem e adubam a terra. A Polítika alterou o ciclo das Chuvas ...

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  6. Santas periquitas!

    Perdoe-me, Ricardo, mas cada blog parece ter a BiaBerna que merece...
    Como não sou aquinhoado com muitas luzes para claras argumentações, dispondo apenas de alguma lógica, só tentei com ela(?) no meu blog uma única vez, quando se apresentava ainda sob outro personagem, Calvin. Logo desisti, pois julgo quase impossível lidar com pessoas que se julgam sempre certas e nunca dão o braço a torcer, mesmo que possam se reconhecer não totalmente corretas.
    Se julgar conveniente, a seu exclusivo critério, posso até deixar de comentar aqui para que alguma eventual má colocação minha não venha a incomodar outros leitores assíduos...
    Você já deve ter percebido que procuro agir como você. Se erro, não me custa nada dizer - Puerra! Errei tudo!
    E não vou mais falar sobre o assunto.

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    1. (argento) ... pô!, Magu, "Flores não fecundadas e frutos não colhidos, caem e (ainda assim) adubam a terra."

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  7. Magu:

    Primeiro não seja modesto. Depois, jamais iria lhe pedir para não comentar aqui ou censurar um comentário seu, já que você, embora bissexto, é essencial, como o é o Milton, que de vez em quando gosta de desempenhar o papel do advogado do diabo, só para exercitar sua argumentação e testar a dos outros, coisa que, confesso, às vezes também sou chegado.

    Repetindo, sua presença é essencial.

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