IstoÉ
A dentista Márcia Maria Brandão Couto, de 55 anos, leva uma
vida confortável no Rio de Janeiro. Independentemente do que possa faturar com
sua profissão, ela recebe dos cofres púbicos uma remuneração fixa de R$ 43 mil
mensais, mesmo sem nunca ter trabalhado no governo. Trata-se de uma pensão a
que tem direito simplesmente porque é filha de um desembargador, falecido em
1982. Como Márcia não se casou, ela passou a receber o pecúlio que era de seu
pai. Não constituiu matrimônio apenas no papel. Na prática, a dentista
comemorou núpcias com direito a véu e grinalda em uma festa na Urca para 200
pessoas. Ou seja, ela pode ter marido, viver na mesma casa que o companheiro e
constituir família, desde que não registre a união em cartório. Como ela,
encontram-se no Brasil outras 20 mil mulheres já identificadas pelo TCU, isso
apenas no Judiciário, sem contar os casos em que a benesse favorece filhas e
até neta de militares, que também têm direito a pensão vitalícia se não se
casarem de papel passado. No caso de um militar que tenha uma filha em 2016,
por exemplo, o País pode ter de pagar a ela esse benefício até 2091, caso ela
viva 75 anos – a expectativa de vida média dos brasileiros.
São casos como esse que ameaçam o futuro das aposentadorias
dos milhões de brasileiros que acordam às 5h da madrugada, passam três horas no
ônibus superlotado para chegar ao trabalho, ralam mais de 8 horas por dia e
ganha uma média salarial de R$ 2,2 mil, embora 60% da população recebam menos
do que o salário mínimo (R$ 880). Esses depois de trabalharem por quase quatro
décadas terão direito a uma remuneração mensal de máximo R$ 5 mil. Isso com a
regra atual. A tendência é que a realidade se torne ainda mais perversa.
Além das aposentadorias e pensões nababescas, no Brasil dos
privilégios, chama a atenção os supersalários pagos a integrantes do
Legislativo, Executivo e Judiciário. O salário médio dos 18 mil magistrados do
País já é bastante generoso e se sobrepõe ao teto constitucional de R$ 33.763
estabelecido para funcionalismo público: R$ 46 mil. Ou seja, é irregular. Mesmo
assim, há desembargadores que recebem mais de R$ 200 mil num único mês. Um
verdadeiro escárnio. O salário do atual ministro do Superior Tribunal de
Justiça, Marco Aurélio Bellizze Oliveira, se situa no limite do teto. Bellizze
ganha R$ 32.958, fora os benefícios. Em setembro de 2011, ao deixar o Tribunal
de Justiça do Rio, embolsou quase R$ 1 milhão, em valores atualizados. Numa
tacada só. Para a maioria dos brasileiros é como acertar os seis números da
loteria.
Os supersalários custam ao País R$ 20 bilhões por ano.
Compõem os vencimentos de integrantes da primeira classe do Judiciário
penduricalhos injustificáveis como auxílio-moradia para quem inclusive já
possui imóvel próprio, carro com motorista, cota de gasolina, auxílio
alimentação, de transporte, plano de saúde, pagamento da escola particular para
o filho, dinheiro para a compra de livros e computadores, pagamento de até 5
salários mínimos para quem adota uma criança, extras para quem dá aulas, além
de aposentadorias vultosas e mais uma infinidade de benesses inalcançáveis ao
cidadão comum. Com a incorporação de mordomias como essas ao salário, os
desembargadores Osvaldo Moacir Alvarez e José Morschbacher, Tribunal Regional
Federal, da 4ª Região (TRF-4), receberam mais de R$ 200 mil em abril de 2015.
Muitos magistrados não escondem a boa vida que levam. O
desembargador Nagib Slaibi Filho, que ganhou R$ 66 mil em agosto, é casado com
a juíza Maria Cristina Barros Slaibi, ambos do Rio, que em agosto recebeu R$
46.055. Ou seja, os dois têm vencimentos acima do teto do funcionalismo. No
Facebook, há registros de fotos de viagens do casal para Praga e Nova York. Por
essa e por outras é que, apenas em 2017, o quebrado Estado do Rio vai gastar
com privilégios para os membros do Tribunal de Justiça, do Ministério Público,
do TCE e do Executivo, um total de R$ 2,1 bilhões. O TJ do Rio é o que oferece
as mais inacreditáveis benesses. Há auxílio-creche de R$ 854 por filho até 6
anos e auxílio-educação de R$ 953 por filho até 24 anos (na faculdade), 180
dias de licença-maternidade (padrão) mais 90 de aleitamento e de três a cinco
salários mínimos por adoção até o filho ter 24 anos. Os benefícios oferecidos
com dinheiro público são como se os Orçamentos estaduais e da União fossem um
manancial inesgotável de recursos. No TJ de Mato Grosso está em vigor um dos
melhores planos de saúde do mundo, com gastos sem limites. Há ressarcimento
para consultas particulares e até passagens de avião para custear tratamento de
magistrados e dependentes em hospitais fora do Estado.
Ninguém acha ou defende que juiz ou desembargador deva
ganhar mal. A questão é a comparação da renda deles com a dos demais
brasileiros. No Brasil, a média dos vencimentos de magistrados é 20 vezes maior
do que a de cidadãos comuns, enquanto que em Países europeus é pouco mais do
que o dobro. Já quando o comparativo é com os salários de professores, a
proporção é outra. Os docentes brasileiros recebem em média R$ 3 mil por mês,
um dos salários mais baixos do mundo e bem próximo dos R$ 2,2 mil que
correspondem a maioria dos brasileiros. Apenas R$ 800. Isso não impede
distorções no meio acadêmico. O renomado professor Boris Fausto, por exemplo,
recebe uma aposentadoria de R$ 50 mil da USP, que paga salários exorbitantes
para quase 2 mil professores da ativa e inativos. É quase o mesmo valor que a
ex-governadora do Maranhão Roseana Sarney recebe por mês, desde 2013: R$ 48,8
mil. Ela acumula as aposentadorias de ex-governadora do Maranhão e senadora.
Também ex-senador, como Roseana, Aloizio Mercadante não quis ficar para trás.
Antevendo a débâcle do governo da companheira de partido, ex-presidente Dilma
Rousseff, solicitou aposentadoria em maio e logrou êxito. Depois de um mandato
de 8 anos no Senado, receberá pensão que corresponde ao triplo a do cidadão
comum: R$ 15,4 mil. Fora os benefícios.
Regalias dos políticos
Na última quarta-feira 16, o presidente Michel Temer defendeu
a extensão para toda a administração federal do pente-fino sobre os
supersalários. Mas o exemplo dado por integrantes do governo não é dos melhores
no combate aos privilégios, principalmente em um momento no qual se discute uma
reforma previdenciária para reduzir seu déficit e endurecer os critérios para
concessão. O ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima,
aposentou-se em 2011, aos 51 anos, e recebe R$ 20.354 como inativo e R$ 30.934
como ministro. Eliseu Padilha, ministro da Casa Civil, aposentou-se aos 53
anos, com R$ 19.389 mensais. Casa de ferreiro, espeto de pau.
Depois de muito tempo dormitando sob a sombra dos Três
Poderes, o tema dos supersalários voltou com carga total, apesar de ter, no seu
íntimo, sido motivada por um desejo de retaliação. Para o assunto vir à tona,
foi preciso uma operação da Polícia Federal no Senado, autorizada pelo
Judiciário, irritar o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), que
revidou com ataques à magistratura. Na última semana, o peemedebista criou uma
comissão responsável por fazer um pente-fino nos salários acima do teto de
servidores dos Três Poderes. Se não ficar apenas na retórica revanchista será
um gesto louvável de sua gestão.
Marajás que o povo sustenta
Salários e aposentadorias privilegiadas ajudam o fomentar o
déficit das contas públicas
PENSÃO DE R$ 43 MIL - Márcia
Couto - A dentista Márcia Brandão Couto, de 55 anos, recebe desde 1982
aposentadoria vitalícia de R$ 43 mil, mas precisa ficar solteira. Por isso, se
casou em 1990 apenas na igreja.
SALÁRIO DE R$ 123 MIL - Otávio
Henrique Lima - Desde que foi afastado em setembro de 2015, suspeito de
vender sentença para um traficante de drogas, o desembargador custou R$ 768 mil
em salários.
APOSENTADORIA DE R$ 50 MIL - Boris Fausto - Renomado historiador e conselheiro de FHC, está
aposentado pela USP com salário de pouco mais de R$ 50 mil.
SALÁRIO DE R$ 72 MIL - Wanderley
Sanan Dantas - O Procurador da República Wanderley Sanan Dantas, de Niterói
(RJ), recebeu em março R$ 72.223, embora seu salário base seja de R$ 28.947.
RECEBEU EM UM MÊS R$ 642 MIL - Marco Aurélio Bellizze - O ministro do STJ Marco Aurélio Bellizze
Oliveira tem salário base de R$ 32.958, mas em setembro de 2011, quando era
desembargador do TJ do Rio, recebeu um total de R$ 642.962.
APOSENTADORIA DE R$ 15 MIL - Aloizio Mercadante - O ex-ministro e ex-senador Aloizio Mercadante
se aposentou no Senado com salário de R$ 15.400, bem acima do teto do cidadão
comum, que é de R$ 5 mil.
No caso do pecúnio para a filha do desembargador, é um legado dos militares, que também deixam essa regalia para suas filhas. O relatado na postagem, ocorre com milhares de mulheres e é de conhecimento público há décadas. Então eu pergunto: porque o ministério público nunca tomou providências, se é crime contra o Estado e não precisa de denúncia feita por cidadãos? A resposta é simples, não existe estado de direito no Brasil, a lei vale de acordo com as circunstâncias e os interesses de alguns grupos.
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