Estadão
Gilmar Mendes votou no último dia 11 pela concessão de
habeas corpus para considerar nulas provas produzidas no processo e pelo
encerramento de ação penal contra um homem acusado por tráfico de entorpecentes
– contra o qual a polícia usou dados extraídos de seu aplicativo WhatsApp sem
autorização judicial.
A decisão que beneficiou o acusado por tráfico foi tomada
por Gilmar dois dias depois da divulgação pelo site The Intercept de diálogos
atribuídos a procuradores e ao ex-juiz da Lava Jato no Telegram.
No mesmo dia 11, indagado pela imprensa se as provas
colhidas de forma ilícita no Telegram de Moro e Deltan poderiam ser anuladas,
Gilmar disse. “Não necessariamente. Se amanhã alguém tiver sido alvo de uma
condenação, por exemplo, por assassinato e aí se descobriu por alguma prova
ilegal que ele não é o autor do crime, se diz em geral que essa prova é
válida”.
Gilmar é o relator do pedido de habeas corpus em que o
acusado de tráfico de drogas teve o celular apreendido sem mandado por
policiais, que acessaram seu WhatsApp – sem autorização judicial.
De acordo com os autos, após denúncia anônima de tráfico de
drogas em Chavantes (SP), policiais militares foram à residência do homem, onde
o encontraram sentado na calçada. Após a abordagem, os PMs apreenderam seu celular
e verificaram as conversas registradas no WhatsApp. A partir das mensagens, os
policiais entenderam que haveria indícios de tráfico e entraram na residência
do suspeito, onde apreenderam quatro porções de maconha (73g) e cinco porções
de cocaína (5,1g), arma de fogo e munições (ambas de uso permitido, mas em
desacordo com lei), além de R$ 3.779 em dinheiro.
Em primeira instância, a sentença afastou a imputação de
tráfico de drogas e desclassificou a conduta para posse de drogas para consumo
próprio, condenando o réu, nesse ponto, à pena de advertência sobre os efeitos
da drogas.
O homem foi condenado a um ano de detenção, convertida na
prestação de serviços à comunidade, pela posse irregular de arma de fogo.
Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo acolheu recurso da Promotoria e o sentenciou por tráfico à pena de 3 anos
e 4 meses de reclusão em regime inicial fechado por esse delito.
O Superior Tribunal de Justiça reduziu a pena e fixou o
regime prisional aberto, mas manteve a condenação.
No Supremo, a defesa alegou que o condenado não autorizou o
acesso ao seu aparelho celular e à sua residência e sustenta que as provas
obtidas mediante violação de sigilo e invasão de domicílio são nulas.
Durante o julgamento, Gilmar afirmou que ‘o caso trata dos
limites da proteção aos dados registrados em aparelho celular por meio de
aplicativos de troca de mensagens e da inviolabilidade de domicílio’.
O ministro lembrou que a jurisprudência do Supremo é no
sentido de que a inviolabilidade das comunicações não se aplica aos dados
registrados, mas apenas às trocas de informações privativas (comunicações),
adotando uma interpretação mais estrita da norma contida no artigo 5.º, inciso
XII, da Constituição Federal.
Gilmar ainda afirmou que a modificação das circunstâncias
fáticas e jurídicas, a promulgação de novas leis e o significativo
desenvolvimento das tecnologias da comunicação, do tráfego de dados e dos
aparelhos smartphones leva, nos dias atuais, a solução diferente. “Penso que se
está diante de típico caso de mutação constitucional”, afirmou.
Ele destacou que, no âmbito infraconstitucional, a norma do
artigo 7.º, inciso III, do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) é
elucidativa ao prever a inviolabilidade e o sigilo das comunicações privadas
armazenadas (dados armazenados), salvo por ordem judicial.
“Entendo que o avanço normativo nesse importante tema da
proteção do direito à intimidade e à vida privada deve ser considerado na
interpretação do alcance das normas do artigo 5.º, incisos X e XII, da
Constituição Federal”, ressaltou.
Ainda segundo Gilmar, tão importante quanto a alteração do
contexto jurídico é a ‘impactante’ transformação das circunstâncias fáticas.
“Houve um incrível desenvolvimento dos mecanismos de
comunicação e armazenamento de dados pessoais em smartphones e telefones
celulares na última década”, destacou o ministro.
Ele lembrou que, a partir de telefones celulares, é
possível, na atualidade, localizar e fazer o reconhecimento facial de
suspeitos.
“Esses avanços tecnológicos são importantes e devem ser
utilizados para a segurança pública dos cidadãos e a elucidação de delitos.
Contudo, deve-se ter cautela, limites e controles, para não transformar o
Estado policial em um Estado espião e onipresente”, ponderou.
Com a palavra, Gilmar Mendes
“Não há nenhuma incoerência, são situações diferentes. Temos
uma jurisprudência farta sobre isso. Não tem contradição nenhuma nesse caso,
pelo seguinte.
Aqui a discussão é se pode aproveitar a prova ilegal ou
ilícita para isentar alguém de responsabilidade. Uma coisa é o Estado usar
prova ilícita para condenar alguém. Outra coisa é usar a prova ilícita para
isentar alguém de responsabilidade.
Se alguém está sendo achacado e grava a conversa consideram
essa prova válida, embora, em tese, fosse ilegal.
Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Uma coisa é o Ministério Público usando WathsApp de maneira
indevida contra alguém para acusá-lo.
Outra coisa é o sujeito tendo obtido prova ilícita dizer
‘olha, não sou autor desse crime’.”
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