A entrevista está sendo publicada por partes na Tribuna da
Internet. Esta segunda parte é bem interessante e mostra exatamente que Lula e
Dirceu nada mais queriam além de poder e dinheiro.
Parêntesis - apenas como esclarecimento, saibam quem é Cesar Benjamin:
Militante do movimento estudantil secundarista em 1968,
passa à clandestinidade depois da decretação do Ato Institucional nº 5, em 13
de dezembro desse ano. Junta-se, então, à luta armada contra o regime militar,
ligando-se ao MR-8. Preso em meados de 1971, aos 17 anos, sofre tortura em
interrogatórios. Em consequência, sofreu perda unilateral da audição. É expulso
do país no final de 1976, exilando-se na Suécia.
César Benjamin voltou ao Brasil em 1978. Com a Lei da
Anistia, pôde retomar a atividade política, sendo um dos fundadores do Partido
dos Trabalhadores.
Coordena a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva nas
eleições presidenciais de 1989, quando Lula é derrotado por Fernando Collor.
Em 1995, César Benjamin deixa o PT por divergências de
opinião, que já se vinham avolumando desde 1989. No final dos anos 1990, funda
a Editora Contraponto.
Em 2004, filia-se ao recém criado Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL) - constituído por dissidentes do Partido dos Trabalhadores -,
pelo qual será candidato a vice-presidente da República nas eleições de 2006,
na chapa da senadora Heloisa Helena. Ainda no fim de 2006, em desacordo com
decisões internas do partido, desfilia-se do PSOL.
Em 20 de dezembro de 2016, foi anunciado como futuro
secretário de Educação, Esporte e Lazer, da cidade do Rio de Janeiro, na gestão
Marcelo Crivella.
Na segunda parte da entrevista de Zuenir Ventura com o
editor e jornalista Cesar Benjamim, feita em 2007 para o livro “1968: o que
fizeram de nós”, o futuro secretário de Educação da Prefeitura do Rio de
Janeiro fala sobre a criação do PT e manipulação do partido por Lula e José
Dirceu para chegar ao poder, ao transformarem a legenda dos trabalhadores numa
máquina eleitoral poderosa, mas inofensiva ao esquema de poder existente no
país.
ZUENIR VENTURA –
Quando você saiu do PT e por quê?
CESAR BENJAMIM –
Fui expulso do Brasil em 76 e voltei em 78, antes da anistia, animado com o
avanço do movimento pela redemocratização e o ressurgimento do movimento
operário. Ajudei a fundar o PT e militei nele, intensamente, até 95. Saí quando
comecei a ver coisas muito estranhas. Na verdade, foi um processo que culminou
em 94, mas começou em 89. Você deve se lembrar como foi aquela campanha. Aliás,
não foi uma campanha, mas um movimento no Brasil inteiro: primeira eleição
presidencial depois de décadas! O Lula começou com 2,5%. Não tínhamos nada, mas
éramos milhares, cheios de garra. O povo foi entendendo isso. Me lembro de uma
noite ali no Catete, em frente a uma loja de televisores, uma pequena multidão
de umas 50 pessoas vendo o horário eleitoral, e eu no meio. Eu participava da
coordenação do programa de governo da campanha, e naquela noite o nosso
programa de TV estava especialmente bem-feito, transmitindo muita
autenticidade. Senti uma eletricidade percorrendo as pessoas, uma emoção, um
silêncio profundo, emotivo e respeitoso. Cheguei em casa e disse para a minha
mulher: “Nós vamos ganhar a eleição”. E ela: “Você está louco”. Praticamente
ganhamos, pois saímos de 2,5% e chegamos a 49%. Paradoxalmente, foi no fim
dessa campanha que me acendeu a luz amarela com o Lula.
Como assim?
Na reta final, houve o episódio da grosseira manipulação do
debate Lula versus Collor na Globo. No dia seguinte, fizemos uma manifestação
de protesto na porta da emissora, uns oito mil militantes. A edição do debate
foi numa sexta à noite; a manifestação foi no sábado; no domingo foi a eleição.
Collor venceu por pequena margem, e a edição do debate foi decisiva para esse
resultado. Nos dias seguintes, fui para São Paulo. Lá, logo depois dessa
seqüência de eventos, encontrei o Lula, que me disse: “Cesinha, sabe quem me
ligou anteontem?” Como eu não sabia, ele completou: “O Alberico, da Globo.”
Justamente quem tinha feito a montagem do debate, conforme os jornais haviam
noticiado. Fiquei calado e o Lula prosseguiu: “Jantei com eles ontem.
Derrubamos três litros de uísque”. Aquilo doeu. Enquanto colocávamos oito mil
militantes na porta da Globo, a nossa maior liderança jantava e bebia com a
direção da emissora. Ele se justificou: “Não vou brigar com a Globo, não é,
Cesinha?” Ali me acendeu uma luz amarela: algo estava muito errado. O Brizola
estava se expondo publicamente, contestando a Globo e defendendo o Lula,
enquanto o Lula jantava com a direção da Globo, escondido. Hoje compreendo que,
naquele momento, o Brizola começou a ser destruído definitivamente, e o Lula,
demonstrando uma espinha muito flexível, começou a desbloquear sua carreira
política. Eu não exigiria que ele hostilizasse a Globo, poderia fazer qualquer
coisa, mas não derrubar três litros de uísque com eles naqueles dias. Isso me
pareceu falta de dignidade pessoal.
Você tem uma
explicação para isso?
Hoje eu compreendo o que aconteceu. A partir de 89, o Lula
passou a ter uma difícil equação política para resolver. Queria ser presidente,
e para isso precisava ter um partido político suficientemente forte para
sustentar essa pretensão. Mas esse partido não podia ser aquele que havíamos
construído, um partido vivo e militante. Com aquele PT, ele seria sempre vetado
pela elite do país, como foi em 89. Se queria chegar à presidência,
demonstrando-se confiável, precisava transformar o partido em outra coisa. O Zé
Dirceu ganhou importância porque se tornou o grande operador dessa
transformação. O Lula não é um operador. A dobradinha que se formou atendia aos
dois: ao Lula, porque a destruição do PT militante pavimentaria o seu caminho à
presidência, já na condição de um candidato dos de cima, o que ele sempre quis
ser; e ao Zé Dirceu, pois, se tudo desse certo, ele seria o sucessor natural do
Lula. Houve uma combinação de interesses. Isso exigia um processo de
desmontagem do PT, de transformação do partido numa máquina eleitoral poderosa,
mas inofensiva. Foi nessa operação que os dois se lançaram, conjuntamente. Mas
a luta política é algo vivo. Em 93 o PT fez um congresso e a nossa chapa
ganhou, contra a Articulação. Foi então que eles se deram conta – isso é uma
interpretação minha – de que o projeto não podia ficar ao sabor do debate de
idéias, sempre sujeito a tantas incertezas. Eles teriam que ter algo mais
poderoso do que o convencimento. Introduziram no PT uma arma nova: dinheiro.
Quem, numa disputa ou numa guerra, introduz uma arma nova, desconhecida,
adquire uma superioridade monumental sobre o adversário. É por isso que os
chamados “operadores” ganharam importância: nessa época, Delúbio Soares, por
exemplo, era o obscuro representante da CUT no FAT, que é uma enorme fonte de
dinheiro. Nenhum de nós pôde perceber, em tempo real, a dimensão da mudança que
estava acontecendo, até porque tudo se passava nas sombras. O fato é que a
Articulação começou a manejar recursos crescentes. Isso absorveu muitas
prefeituras do PT – Santo André, Ribeirão Preto, muitas outras. Os esquemas
foram se multiplicando. Marx tem uma frase em que ele fala no “poder
dissolvente” do dinheiro. Onde o dinheiro domina, as qualidades se dissolvem.
Lula e Zé Dirceu foram dissolvendo o PT em um banho de dinheiro, cooptando
todos os que podiam cooptar. Patrocinaram uma seleção negativa, que favorecia
os piores.
Você não pensou em
denunciar ao Lula?
Quando comecei a ver gente lombrosiana ganhando cada vez
mais importância, procurei o Lula e ele disse para eu não me meter. Foi quando
decidi debater na direção nacional o que estava acontecendo: era muito grave!
Mas, naquele momento, ninguém mais se propunha a enfrentar o Lula e o Zé
Dirceu.
Você tinha provas?
Àquela altura, isso não era mais novidade. Na medida em que
os esquemas se tornam grandes e influentes, deixam sinais, seus efeitos são
percebidos, mesmo por quem não tem provas materiais. As notícias começam a
circular nos corredores. Decidi então que o gesto que me restava, em nome de 16
anos de militância no PT e em nome da história da esquerda, era fazer um alerta
na instância máxima do partido, o Encontro Nacional. Lá, em Vitória, comecei a
tratar do assunto da tribuna, de onde eu avistava o plenário e a mesa. Quando
comecei a falar, vi o Zé Dirceu se levantar, ficar de costas para a mesa e de
frente para o plenário. Enquanto eu falava, ele fazia sinais para a turma de
Santo André. De repente, meu pronunciamento foi interrompido de maneira
violentíssima. Vieram para me espancar, diante de todo mundo. O meu discurso
foi interrompido e instaurou-se o caos. Depois, alguns me contaram por que eles
agiram com tanta violência: acharam que eu ia abrir os esquemas. Não ia,
simplesmente porque não os conhecia. Mas, como levantei o assunto, eles se
apavoraram e partiram para a porrada. Ali foi meu último momento no PT. Como
não consegui da direção nacional nenhum debate, escrevi uma carta de
desfiliação e saí do partido. Eu nunca me profissionalizei na política, sempre
trabalhei como qualquer cidadão e vivi do meu trabalho. Isso garantiu minha
autonomia diante da máquina burocrática. Muitos não tiveram essa possibilidade.