Depois do que consideraram uma “retaliação para humilhar” a
delegação brasileira que se encontra em Montevidéu para a sessão plenária do
Parlasul, o parlamento do Mercosul, 14 dos 17 deputados e senadores brasileiros
presentes boicotaram a solenidade que comemorou os 25 anos do bloco econômico,
na manhã desta segunda-feira. Outros três deputados que compõem a delegação
ainda não haviam chegado. No evento, foi realizado o seminário “Reflexões e
desafios para o Mercosul 25 anos depois do Tratado de Assunção”.
No domingo, o presidente do Parlasul, o deputado argentino
Jorge Taiana, alinhado com a ex-presidente Cristina Kirchner, publicou no site
oficial do parlamento uma nota em que condena o processo de impeachment contra
a presidente Dilma Rousseff. Para Taiana, o julgamento político é uma “situação
escandalosa”: “Isto é um golpe parlamentar, é uma utilização forçada da lei de
impeachment”, diz a nota, acrescentando que setores conservadores, de direita,
do mundo financeiro e da mídia teriam como objetivo central impedir que Lula
voltasse à presidência do Brasil em 2018.
Nesta segunda, ao chegar ao auditório onde aconteceria a
solenidade, parlamentares brasileiros descobriram que os lugares reservados à
delegação estavam localizados em uma das últimas fileiras, atrás de
funcionários de segundo e terceiro escalão da chancelaria. Inconformado, o
senador Roberto Requião (PMDB-PR) tentou resolver, sem sucesso, a questão. Os
brasileiros então tentaram manifestar o repúdio tanto pela nota do presidente
do Parlasul, quanto pela localização dos assentos, mas a cerimônia não previa a
colocação de questões de ordem. O deputado Arthur Oliveira Maia (PPS-BA) então
se dirigiu à frente do auditório e, fora do microfone, declarou que a delegação
brasileira iria se retirar da sala.
— Nós ficamos surpresos quando hoje vimos no site oficial do
Parlasul uma declaração irresponsável do presidente em relação ao processo de
impeachment que acontece no Brasil — disse o deputado. — A designação dos
lugares foi uma consequência do que Taiana diz no site. Foi uma retaliação para
humilhar a delegação brasileira.
Para o senador Roberto Requião, depois de colocar a
delegação no fundo do auditório de 400 lugares, o próximo passo seria fazer com
que os parlamentares brasileiros almoçassem na cozinha:
— Era deles a festa, então fomos embora. É o desprezo da
chancelaria em relação à delegação brasileira.
Os brasileiros pretendem cobrar de Jorge Taiana que ele
reconsidere as palavras “irresponsáveis” que fez em relação ao processo de impeachment
durante a sessão plenária do Parlasul, que acontece na terça-feira pela manhã.
A tarde desta segunda será reservada aos encontros das comissões especiais do
parlamento.
Os três brasileiros que continuaram na solenidade são os
deputados Jean Wyllys (PSOL-RJ), Benedita da Silva (PT-RJ) e Ságuas Moraes
(PT-MT). Para o petista mato-grossense, tudo não passou de um grande
mal-entendido.
O presidente do Uruguai, Tabaré Vásquez, ainda tentou
interceder para que os parlamentares brasileiros não abandonassem o seminário.
Em solidariedade, ele saiu de sua cadeira de honra e se sentou na mesma fileira
onde ficaria a delegação brasileira, que, mesmo assim, debandou em massa. Para
o deputado Ságuas Moraes, o ato foi precipitado:
— Faltou organização do cerimonial, sim, mas nada que
justificasse a retirada — disse.
O deputado Jean Wyllys criticou a reação “exagerada” dos
companheiros brasileiros, temendo que a atitude deixe uma imagem ruim da
delegação.
— (O presidente Vásquez) deu um exemplo de humildade que os
deputados que saíram não puderam ver. A atitude deles foi arrogante, sim, e
muito constrangedora, numa reunião institucional extremamente importante de um
bloco formado por países irmãos.
Ele ainda relatou que a Comissão de Direitos Humanos acatou
a sugestão de aprofundar o entendimento sobre o que está acontecendo no Brasil,
e que considera a possibilidade de visitar o país em maio. Os membros da
comissão se declararam contra a qualquer movimento político que ameace a
democracia e os direitos humanos em países do Mercosul.
— A verdade é que não só a comunidade política
latino-americana, mas a sociedade uruguaia em particular estão curiosas e
apreensivas com a situação da democracia brasileira — afirmou o deputado.
Na sexta-feira, em Nova York, a presidente Dilma Rousseff
declarou que pretende invocar a cláusula democrática do Mercosul, tal como
aconteceu quando o ex-presidente paraguaio Fernando Lugo foi afastado, em 2012.
Se a cláusula for ativada, o Brasil pode até mesmo ser suspenso do bloco
comercial, mas, para isso, seria necessário um consenso entre Uruguai,
Paraguai, Argentina e Venezuela com relação ao rompimento da ordem democrática
brasileira. Atualmente, a Venezuela seria o único país a defender a punição do
Brasil caso a presidente seja afastada pelo Senado.
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