O Globo
O procurador da Lava-Jato Carlos
Fernando dos Santos Lima, de 51 anos, identifica “dedo do governo” na edição de
medidas que, segundo ele, beneficiam investigados da operação. Ele cita as
mudanças nas regras de leniência e na repatriação de recursos ilegais no
exterior. A MP 703, sancionada pela presidente Dilma Rousseff, em dezembro,
permitiu à Advocacia Geral da União (AGU), ligada ao Planalto, negociar
diretamente acordos com empresas acusadas de corrupção. Outra lei sancionada
por Dilma na semana passada facilitou a repatriação de recursos mediante
pagamento de multa.
Em entrevista ao
Globo, realizada ontem em São Paulo, Lima também criticou declarações dadas
ontem por Dilma. Ao jornal “Folha de S. Paulo”, a presidente afirmou que “há
coisas que não acha corretas” na Lava-Jato, como os vazamentos de trechos das
delações premiadas, e que há “pontos fora da curva” na investigação “que têm de
ser colocados dentro da curva”. Segundo a presidente, é “impossível” alguém ser
questionado (durante interrogatórios) com base no “diz que me diz”. Para Lima,
a Lava-Jato só é ponto fora da curva quando aponta o “caminho da punição para
quem cometeu crimes” e não caberia ao Ministério Público “vestir a carapuça”
quanto à crítica sobre vazamento de informações sigilosas da operação.
A lei de repatriação
e a MP da leniência representam um risco para a Lava-Jato?
Sim. Sempre
soubemos que, a longo prazo, as elites vão se compor de maneira a reduzir
prejuízos que tiveram nessas operações. É o caso das legislações que vêm a
posteriori. A MP 703 (que permitiu à CGU fazer acordo de leniência) e a lei da
repatriação (que permite trazer recursos para o Brasil mediante pagamento de
multa) são exemplo disso. A repatriação vem sendo falada desde o caso
Banestado. É uma medida para socorrer as elites.
Que tipo de recado
passa a aprovação desse tipo de medida?
Como diz o Dr.
Deltan (Dallagnol, outro procurador da Lava-Jato), a corrupção é uma questão
moral, mas também econômica. (As medidas) passam o recado de que este é um jogo
que vale a pena ser jogado. Vale a pena ser corrupto no Brasil porque, ao
final, nossa Justiça é lenta, nossos processos são intermináveis e, além de
tudo, se nada disso der certo, você vai no governo e resolve o problema com uma
nova lei.
Vê o dedo do governo
nessas ações?
Sim. A urgência
da MP da leniência só existe para evitar a aplicação de inidoneidade contra as
empreiteiras. Elas têm muito a falar sobre o próprio governo. Portanto, tem
dedo do governo, tanto na repatriação, quanto nessa MP. E pior, nós já sentimos
no Congresso uma tentativa de estender isso aí para uma anistia. A repatriação
já tem uma anistia incluída nela, e o governo está tentando incluir uma anistia
de corrupção. O que é, no final das contas, contra qualquer sentido de um país
que se comprometeu a combater a corrupção. Há um ano estamos bloqueando a CGU
de fazer acordos a granel, agora ela está autorizada por lei.
Por que a repatriação
é prejudicial?
Você está
dizendo para a população que vale a pena fazer isso (mandar recursos para o
exterior ilegalmente), que no futuro haverá uma opção indolor para resolver
isso: no caso, uma mera tributação. Você vai pagar uma multa, não vai ter
sanção criminal, que é o que assusta as pessoas. Essa é a principal mensagem:
você pode mandar para o exterior dinheiro irregular, nós vamos resolver. Em
diversos momentos, quando se tentou processar criminosos, houve uma intervenção
do governo de modo a beneficiá-los. E quem se beneficia? Elites. E o discurso é
sempre do medo. “Isso é um risco sistêmico, vai dar quebradeira”, eles dizem.
Colocam o medo no coração do trabalhador como se ele fosse o prejudicado. Ele é
prejudicado quando a corrupção acontece, quando o dinheiro sai do Brasil
irregularmente, quando você deixa de pagar tributos.
A presidente disse
que não é correto o vazamento de trechos de delações e que há “pontos fora da
curva” a serem corrigidos nas investigações. Qual é a opinião do senhor?
Eu não vi o
pronunciamento da presidente, mas acho que não cabe ao Ministério Público
vestir nenhuma carapuça quando se faz esse tipo de afirmação. Sobre os
vazamentos, ela está dizendo que foi o MP? Existem vários atores neste processo
que podem ser a origem de vazamentos.
E há “pontos fora da
curva”?
Há pontos fora
da curva, porque no Brasil não se pune. A Lava-Jato é um ponto fora da curva
porque está tentando efetivar o processo penal. Se essa é a afirmativa, eu
concordo com ela. Agora, se é reclamação de qualquer violação de direitos, não
concordo. Tivemos mais de 700 habeas corpus e recursos julgados, nem 10% foram
concedidos, acho que nem 1%. A Lava-Jato está fazendo com que o Brasil tenha um
caminho da punição para quem cometeu crimes.
Dilma repete o
discurso do PT, que diz haver um excesso de delação…
Ao contrário,
temos um uso muito parcimonioso. Nós usamos a delação para o mesmo assunto uma
ou duas vezes, no máximo. Os diversos acordos aumentaram o campo das
investigações, mas os fatos são tantos que o número de colaboradores é imenso.
O primeiro acordo de (Alberto) Youssef revelou um tipo de corrupção. Paulo
Roberto Costa (ex-diretor da Petrobras) revelou o âmbito (onde ocorreu). Um
acordo com outro colaborador tem que revelar fatos totalmente novos, fora
confirmar talvez que ele tenha participado dos fatos anteriores. Então, essa
crítica não é verdadeira, nem justa.
O ex-presidente Lula
disse que delação agora só serve se tiver o nome dele. Isso é verdade?
Não creio que
seja verdade, pois desconheço uma colaboração onde o ex-presidente tenha sido
citado expressamente. Portanto, ela (a afirmação) é injusta. E nem sei também
se ele poderia saber das delações, já que a maior parte delas está em sigilo.
Ainda há muito para
acontecer na Lava-Jato?
Tem bastante
coisa, acreditamos que o esquema de compra de apoio político-partidário se
replica em diversas empresas estatais, isso vai se revelando aos poucos.
Esperamos revelar uma boa parte desse quadro, é um quebra-cabeça gigante.
Qual é o rosto que
aparece ao final desse quebra-cabeça?
O rosto nós já
sabemos. Existe uma forma pela qual se compra o apoio no Congresso Nacional. E
esta forma foi a distribuição de cargos em alto escalão para que fizessem caixa
para o governo. Quando você vê a Zelotes, passando pela Lava-Jato,
Eletronuclear, Belo Monte e outras questões que vão surgindo, vê o mesmo
fenômeno. Só que as fontes de pagamentos são diversas. Para aprovar uma lei,
fazer um determinado negócio com o governo, construir alguma coisa, paga-se
pedágio. Esse é o rosto que vamos tentar mostrar para a população.
(argento) ... a visão do Procurador revela duas coisas ...
ResponderExcluir1- como funciona o Sistema
2- como é operado, hora "modus", hora "modi"