Elio Gaspari: Os mascarados estão soltos
Há algum parafuso solto no sistema nacional de manutenção da
ordem pública. Marcelo Odebrecht, dono da maior empreiteira do país, completa
sete meses de prisão preventiva na próxima terça-feira, e todas as 17 pessoas
detidas durante as desordens ocorridas em São Paulo no início da noite de
sexta-feira foram libertadas no dia seguinte. Em poucas horas, foram depredados
oito ônibus e cinco agências bancárias. Pode-se dizer que uma coisa é uma
coisa, e outra coisa é outra coisa, mas essas duas situações acontecem no mesmo
país. Juntas, não fazem sentido.
Tem gente que fica feliz com a hipótese de os presos
endinheirados mofarem na cadeia pelas malfeitorias que praticaram, mas não é
assim que funciona a coisa. A prisão preventiva de um cidadão só se justifica
pelo flagrante de delito ou para impedir que ele continue praticando um crime.
Admita-se que esse é o caso para todos os empresários, políticos e espertalhões
que estão presos em Curitiba e em Brasília. O mesmo deveria valer para os
desordeiros.
Ao contrário do que acontecia no mundo das empreiteiras,
onde as roubalheiras eram dissimuladas, a ação dos mascarados deu-se às claras
e foi registrada ao vivo e em cores. A polícia de São Paulo mobilizou centenas
de PMs, sua tropa de choque e veículos blindados para acompanhar a manifestação
contra o aumento de tarifas de ônibus. Para quem quer dar uma manifestação de
força, serviço perfeito. Durante mais de uma hora, mascarados tumultuaram o
Centro da cidade. Só 17 pessoas foram detidas. É pouco, mas vá lá. O
relaxamento das prisões em flagrante foi determinado pela Justiça. Uma juíza
considerou inconclusivas as provas apresentadas contra os cidadãos. A força foi
exibida, mas deu em nada. Das duas uma: a polícia prendeu quem não devia ou a
Justiça soltou quem deveria continuar preso. Ao final das contas, não prenderam
uma só pessoa com provas que a juíza considerasse irrefutáveis. Há apenas um
desordeiro recolhido. Está na Fundação Casa, por ser menor de idade, e foi levado
a uma delegacia na segunda-feira pelo pai policial, ao vê-lo num vídeo de
quatro minutos na cena do espancamento de um PM.
A ação dos mascarados foi demorada. Num incidente, eles
pararam dois ônibus, obrigaram os passageiros a desembarcar e ordenaram aos
motoristas que manobrassem os veículos para que obstruíssem uma avenida. Em
seguida, quebraram vidros e picharam a lataria dos veículos. A polícia é
treinada para intervir em situações desse tipo e dispõe de equipamento para
registrar a cena.
Um cidadão mascarado no meio de uma manifestação pacífica é
pelo menos suspeito de estar ali para provocar alguma desordem. Quem já viu
alguma dessas explosões de violência sabe que elas partem de grupos
perfeitamente identificáveis antes, durante e depois das manifestações.
Desordeiro não é ativista, nem um sujeito quebrando vidros de ônibus está
manifestando uma opinião.
Se a prisão dos empreiteiros tem a virtude de desestimular
futuras traficâncias, o fato de não haver um só desordeiro na cadeia torna-se
um estímulo a novas violências, cuja principal consequência é a inibição de
manifestações pacíficas.
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