Xico Graziano
Na medicina, percebe-se esse germe retrógrado na recente
onda de recusa à vacinação de crianças contra doenças contagiosas. Incluem-se
aqui os “ecologistas” que destroem laboratórios tratando cientistas como vilões
e gritando pelo bem-estar das cobaias. Esquisito.
Ninguém mais que a cientista Natália Pasternak combate as
pseudociências na área médica. A conceituada professora da USP alerta seguidamente
a comunidade acadêmica contra a usurpação da medicina “convencional” por
tratamentos “alternativos”: dança circular, termalismo social, aromaterapia,
cromoterapia, terapia de florais, geoterapia e por aí vai.
“Nenhuma dessas terapias tem eficácia cientificamente
comprovada”, afirma Natália. Mesmo assim, passaram, desde 2006, a integrar as
Práticas Integrativas e Complementares (PICs), bancadas pelo SUS. Dinheiro
público alimentando o diletantismo.
Na agronomia, os aguerridos anti-iluministas atacam os
alimentos transgênicos. Por mais que os cientistas biológicos comprovem que os
organismos geneticamente modificados (OGMs) sejam bioseguros, nada os convence.
Pregam a favor da alimentação “natural”. Sinônimo de antiga.
Produtos transgênicos fazem parte de nosso cotidiano há mais
de 20 anos. Não há registros, globais ou locais, de seu malefício à saúde
humana ou ao meio ambiente. Todavia, os obscurantistas vociferam contra a
engenharia genética, desprezam a biossegurança estabelecida pelo método científico.
Mal sabem que uma salsicha malfeita, ou um sanduíche grego, contêm maior perigo
à saúde.
A Embrapa domina, há anos, uma variedade de feijão
transgênico resistente ao mosaico dourado, terrível doença que aniquila as
plantações. Essa maravilha agronômica, porém, continua na gaveta da estatal,
aprisionada pela mente retrógrada. Um atraso da inteligência.
O fetiche do alimento natural também se manifesta na questão
dos agrotóxicos. Se a agricultura é considerada “convencional”, passa, por
definição, a ser detestável. Pouco importam os critérios científicos e
tecnológicos construídos mundialmente pela ciência agronômica. A ordem é trocar
tudo pela agricultura “orgânica”.
Se for produtor familiar, então, melhor ainda, dá um toque
de pobreza no discurso elitista. Assim atinge o auge da ideologia
“agroecológica”, uma invenção tupiniquim que mistura o atraso tecnológico com o
socialismo agrário-camponês. Na receita, conforme decidido em assembleia,
pitadas de “Lula livre”. Fracasso na certa.
A produção orgânica cresce 30% ao ano no país. Um nicho
sensacional de mercado. Isso é bacana. Equívoco é querer alimentar o mundo com
o estilo da comida servida nesses supermercados e restaurantes sofisticados de
alta renda. Ser vegetariano é legal, cada um coma o que lhe apeteça. Eu adoro
carne bovina mal passada; minha mãe gosta de asa de frango; meu avô José adorava
codeguim. Era só o que faltava julgar o caráter de alguém pela comida que
ingere.
O mesmo raciocínio vale na medicina. Não se trata de
condenar as práticas esotéricas de bem-estar individual. Cada qual que gaste
seu dinheiro onde bem entender, colocando pedregulhos quentes na nuca, curtindo
florais perfumados ou escovando os dentes com pasta de cúrcuma. O grave
problema é querer transformar tais platitudes existenciais em ciência médica.
Vida saudável e alimento de qualidade são objetivos
civilizatórios que unem a medicina com a agronomia. Esse feliz casamento
científico está sendo adornado com mais, e não menos, tecnologia. É assim que
funciona a humanidade desde quando a ciência iluminou as trevas da Idade Média.
A história não registra marcha-a-ré.
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