quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Medicina e agronomia sofrem ataque anti-iluminista


Xico Graziano

Na medicina, percebe-se esse germe retrógrado na recente onda de recusa à vacinação de crianças contra doenças contagiosas. Incluem-se aqui os “ecologistas” que destroem laboratórios tratando cientistas como vilões e gritando pelo bem-estar das cobaias. Esquisito.

Ninguém mais que a cientista Natália Pasternak combate as pseudociências na área médica. A conceituada professora da USP alerta seguidamente a comunidade acadêmica contra a usurpação da medicina “convencional” por tratamentos “alternativos”: dança circular, termalismo social, aromaterapia, cromoterapia, terapia de florais, geoterapia e por aí vai.

“Nenhuma dessas terapias tem eficácia cientificamente comprovada”, afirma Natália. Mesmo assim, passaram, desde 2006, a integrar as Práticas Integrativas e Complementares (PICs), bancadas pelo SUS. Dinheiro público alimentando o diletantismo.

Na agronomia, os aguerridos anti-iluministas atacam os alimentos transgênicos. Por mais que os cientistas biológicos comprovem que os organismos geneticamente modificados (OGMs) sejam bioseguros, nada os convence. Pregam a favor da alimentação “natural”. Sinônimo de antiga.

Produtos transgênicos fazem parte de nosso cotidiano há mais de 20 anos. Não há registros, globais ou locais, de seu malefício à saúde humana ou ao meio ambiente. Todavia, os obscurantistas vociferam contra a engenharia genética, desprezam a biossegurança estabelecida pelo método científico. Mal sabem que uma salsicha malfeita, ou um sanduíche grego, contêm maior perigo à saúde.

A Embrapa domina, há anos, uma variedade de feijão transgênico resistente ao mosaico dourado, terrível doença que aniquila as plantações. Essa maravilha agronômica, porém, continua na gaveta da estatal, aprisionada pela mente retrógrada. Um atraso da inteligência.

O fetiche do alimento natural também se manifesta na questão dos agrotóxicos. Se a agricultura é considerada “convencional”, passa, por definição, a ser detestável. Pouco importam os critérios científicos e tecnológicos construídos mundialmente pela ciência agronômica. A ordem é trocar tudo pela agricultura “orgânica”.

Se for produtor familiar, então, melhor ainda, dá um toque de pobreza no discurso elitista. Assim atinge o auge da ideologia “agroecológica”, uma invenção tupiniquim que mistura o atraso tecnológico com o socialismo agrário-camponês. Na receita, conforme decidido em assembleia, pitadas de “Lula livre”. Fracasso na certa.

A produção orgânica cresce 30% ao ano no país. Um nicho sensacional de mercado. Isso é bacana. Equívoco é querer alimentar o mundo com o estilo da comida servida nesses supermercados e restaurantes sofisticados de alta renda. Ser vegetariano é legal, cada um coma o que lhe apeteça. Eu adoro carne bovina mal passada; minha mãe gosta de asa de frango; meu avô José adorava codeguim. Era só o que faltava julgar o caráter de alguém pela comida que ingere.

O mesmo raciocínio vale na medicina. Não se trata de condenar as práticas esotéricas de bem-estar individual. Cada qual que gaste seu dinheiro onde bem entender, colocando pedregulhos quentes na nuca, curtindo florais perfumados ou escovando os dentes com pasta de cúrcuma. O grave problema é querer transformar tais platitudes existenciais em ciência médica.

Vida saudável e alimento de qualidade são objetivos civilizatórios que unem a medicina com a agronomia. Esse feliz casamento científico está sendo adornado com mais, e não menos, tecnologia. É assim que funciona a humanidade desde quando a ciência iluminou as trevas da Idade Média. A história não registra marcha-a-ré.

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