Ana Paula Henkel
Publicado no Estadão de SP
“Acabo de descobrir pela imprensa que sou ultraconservadora.
Extrema-direita conservadora fundamentalista com visões radicais contra
minorias e direitos conquistados com muita luta contra o patriarcado. Meu
crime: questionar a exibição de imagens pornográficas para crianças. Minha
culpa, minha máxima culpa.
Quem é você, sua jogadora de vôlei, para dar palpite sobre
arte? Bola fora! Gente ultraconservadora como você deve ser apedrejada na rua
em nome da tolerância! Ultraconservador nem gente é. Um outro mundo, sem esse
pessoal preconceituoso, é possível. Depois do apedrejamento, é só abraçar uma
árvore e seguir espalhando o amor.
Entendo os companheiros engajados e lacradores da imprensa e
do ativismo bem patrocinado, especialmente quando o assunto envolve bancos tão
generosos ao investir em, digamos, arte. Sim, já entendi que arte é o que
disserem que é arte, mesmo que, aos meus olhos ultraconservadores, reacionários
e caretas, pareça apenas pornografia barata.
Li por aí que há gays indignados com a associação tácita
feita pelos defensores do banco, remunerados ou não, entre homossexualismo e a
polêmica sobre as imagens explícitas mostradas numa exposição direcionada para
crianças. Seriam homossexuais ultraconservadores e homofóbicos? Gay que não
pensa como autorizado pela cartilha progressista é muita autonomia e liberdade,
onde vamos parar?
Os especialistas consultados nas reportagens dizem que
liberal é aquele que libera geral e pronto. É proibido proibir e infância é uma
mera construção social, é você quem decide qual é a sua idade. A ideologia de
data de nascimento chegou para ficar e precisamos lutar contra o preconceito.
Se uma criança de quatro anos se identifica como um adulto de trinta e quiser
ver pornografia, quem é você, seu ultraconservador, para se meter?
Em tempos de pós-verdade, os torquemadas das redações
julgaram, num rito sumário e sem direito de defesa, que retrógrados medievais
como eu não precisam ter liberdade de expressão e nem podem participar do
debate público. A mesma liberdade que defendem para a exposição negam a mim,
mas quem disse que direitos iguais incluem ultraconservadores?
Fomos chamados de censores quando apoiamos um boicote. Fomos
criticados por sermos contra nudez nas artes quando combatíamos a exibição de
conteúdo impróprio sem classificação indicativa. Vale tudo pelo lacre e os
fatos não podem atrapalhar a narrativa.
Como sou um caso perdido, talvez minha saída seja fundar um
movimento ultraconservador e assumir meu lado de defensora das trevas de vez.
Meu radicalismo de direita deve ser influência da Califórnia, onde moro há
alguns anos, um enclave de fundamentalistas religiosos que queimam hereges nas
ruas. Neste domingo, quando os californianos ultraconservadores do Red Hot
Chili Peppers tocarem no Rock in Rio, lembrem de mim e rezem pela minha alma.
Jacobinos, pioneiros na defesa da tolerância, diziam que o
homem só seria livre quando o último rei fosse enforcado com as tripas do
último padre. Cabeças rolaram, outros jacobinos vieram, mas os
ultraconservadores extremistas e radicais continuam por aí dizendo que crianças
não devem, sob qualquer pretexto, serem expostas a imagens de sexo explícito.
Novas guilhotinas já foram encomendadas.
O assassinato de reputações continua, assim como a motivação
dos ultraconservadores de impedir o futuro progressista em que as crianças
saiam das garras dos pais e possam ser educadas pelo Estado sem interferência
da família. O socialismo agora começa com a socialização dos nossos filhos.
O pacote progressista inclui a renúncia fiscal para que
curadores, sem trocadilhos por favor, decidam a idade com que seus filhos devam
ser iniciados nestas, digamos, artes. E se você reclamar, já sabe:
ultraconservador!”
Ana Paula, B I N G O !
ResponderExcluirUma moça filha de um casal hetero, criada dentro de princípios decentes, inteligente e de boa redação. O inverso do que lí sobre o que "pensa" a global Taís Araújo sobre sua filha de dois anos gostar de boneca e cor rosa.
De outro "ultraconservador"
Esse é um retrato do Brasil, a população em geral, começando pelo "formadores de opinião", não sabe o que é ser liberal. O pensamento liberal consiste em aceitar o questionamento de tudo e mudar o que deve ser mudado, não tem nada a ver com liberar geral.
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