Carlos Alexandre Sá, professor da Fundação Getúlio Vargas
‘Em 1981, François Mitterrand assumiu a Presidência da
França com um discurso de esquerda que incluía a estatização de empresas
consideradas estratégicas, guerra aos ricos, aumento do bem-estar social,
aliança com o Partido Comunista e reforma cultural. Foi um desastre. A fuga de
capitais foi de tal ordem que, em meados de 1982, seu ministro da Fazenda,
Giscard d’Estaing, comunicou ao presidente que a França tinha reservas para
apenas mais alguns dias. Confrontado com a realidade, perdendo popularidade e
apoio político, Mitterand deu uma guinada de 180 graus e nomeou um
primeiro-ministro liberal. Quando Jacques Chirac assumiu o posto de
primeiro-ministro, na primeira coabitação esquerda-direita, começou o processo
de desestatização. Entre as empresas privatizadas desde então estão a
petroleira Total, o Banco Paribas e a Renault. Era o fim do sonho socialista de
Mitterrand.
Apesar disso, o socialismo continuou sua tentativa de se
sobrepor à realidade. Conseguiu reduzir a jornada de trabalho para 35 horas
semanais, reduziu a idade mínima para a aposentadoria, criou uma legislação
trabalhista bizantina contida num tijolaço de 360 páginas. Mais uma vez, o
resultado foi desastroso. Em 2012, a França era o segundo país que menos
crescia na Europa nos últimos 25 anos (atrás apenas da Itália), há décadas
nenhuma empresa abria seu capital, possuía o maior déficit em conta-corrente da
zona do euro e a taxa de desemprego era de 11%, a maior em 15 anos.
Foi nesse clima que se elegeu o socialista François
Hollande, com um discurso de guerra ao “mundo das finanças”, acusando os
empresários de arrogantes, com a promessa de elevar alíquota do Imposto de
Renda para até 75% e reduzir o desemprego aumentando os gastos do governo, num
claro repúdio à política de austeridade preconizada pelo FMI. Não funcionou.
Houve fuga de capitais, o PIB estagnou, o déficit aumentou, a dívida atingiu
inacreditáveis 95% do PIB, a construção civil quase parou, e o desemprego
subiu. Era “Cuba sem o sol”, diziam os políticos da oposição. Em consequência,
sua popularidade desabou para 13%, a menor de um presidente, desde que De
Gaulle fundou a Quinta República, em 1958, ao mesmo tempo em que a Frente
Nacional, comandada pela ultraconservadora Marine Le Pen, crescia com um
discurso xenófobo que previa a proibição à livre circulação de mercadorias e de
pessoas, a saída da França da Comunidade Europeia, a volta do franco como moeda
nacional, o combate à globalização com a criação de barreiras à importação, uma
aproximação com a Rússia e a saída da França da Otan.
Sem ter como se sobrepor à realidade, a solução foi trocar o
primeiro-ministro. Em março de 2014, assumiu o posto Manuel Valls, um francês
nascido na Espanha e descendente de suíço-italianos. Valls chegou dizendo que
“ama o mundo dos negócios”. Demitiu os ministros antimercado. Nomeou um
ministro da Fazenda que foi executivo do Banco Rothschild. Quando questionado
quanto à escolha, declarou: “E dai? O que conta é a competência, e não a
ideologia”. Seu assessor econômico é um antigo economista do Bank of America.
Arquivou o Imposto de Renda de 75% e cortou os encargos sociais para estimular
o emprego. Agora, pretende reformar a legislação trabalhista, elevar a idade
mínima para a aposentadoria e aumentar as horas de trabalho semanais. É claro
que os sindicatos foram para as ruas protestar. Será que vai conseguir? Não
sei. Afinal, quem não gosta de privilégios?
Nenhum comentário:
Postar um comentário