terça-feira, 31 de maio de 2016

O socialismo e a França

Carlos Alexandre Sá, professor da Fundação Getúlio Vargas

‘Em 1981, François Mitterrand assumiu a Presidência da França com um discurso de esquerda que incluía a estatização de empresas consideradas estratégicas, guerra aos ricos, aumento do bem-estar social, aliança com o Partido Comunista e reforma cultural. Foi um desastre. A fuga de capitais foi de tal ordem que, em meados de 1982, seu ministro da Fazenda, Giscard d’Estaing, comunicou ao presidente que a França tinha reservas para apenas mais alguns dias. Confrontado com a realidade, perdendo popularidade e apoio político, Mitterand deu uma guinada de 180 graus e nomeou um primeiro-ministro liberal. Quando Jacques Chirac assumiu o posto de primeiro-ministro, na primeira coabitação esquerda-direita, começou o processo de desestatização. Entre as empresas privatizadas desde então estão a petroleira Total, o Banco Paribas e a Renault. Era o fim do sonho socialista de Mitterrand.

Apesar disso, o socialismo continuou sua tentativa de se sobrepor à realidade. Conseguiu reduzir a jornada de trabalho para 35 horas semanais, reduziu a idade mínima para a aposentadoria, criou uma legislação trabalhista bizantina contida num tijolaço de 360 páginas. Mais uma vez, o resultado foi desastroso. Em 2012, a França era o segundo país que menos crescia na Europa nos últimos 25 anos (atrás apenas da Itália), há décadas nenhuma empresa abria seu capital, possuía o maior déficit em conta-corrente da zona do euro e a taxa de desemprego era de 11%, a maior em 15 anos.

Foi nesse clima que se elegeu o socialista François Hollande, com um discurso de guerra ao “mundo das finanças”, acusando os empresários de arrogantes, com a promessa de elevar alíquota do Imposto de Renda para até 75% e reduzir o desemprego aumentando os gastos do governo, num claro repúdio à política de austeridade preconizada pelo FMI. Não funcionou. Houve fuga de capitais, o PIB estagnou, o déficit aumentou, a dívida atingiu inacreditáveis 95% do PIB, a construção civil quase parou, e o desemprego subiu. Era “Cuba sem o sol”, diziam os políticos da oposição. Em consequência, sua popularidade desabou para 13%, a menor de um presidente, desde que De Gaulle fundou a Quinta República, em 1958, ao mesmo tempo em que a Frente Nacional, comandada pela ultraconservadora Marine Le Pen, crescia com um discurso xenófobo que previa a proibição à livre circulação de mercadorias e de pessoas, a saída da França da Comunidade Europeia, a volta do franco como moeda nacional, o combate à globalização com a criação de barreiras à importação, uma aproximação com a Rússia e a saída da França da Otan.

Sem ter como se sobrepor à realidade, a solução foi trocar o primeiro-ministro. Em março de 2014, assumiu o posto Manuel Valls, um francês nascido na Espanha e descendente de suíço-italianos. Valls chegou dizendo que “ama o mundo dos negócios”. Demitiu os ministros antimercado. Nomeou um ministro da Fazenda que foi executivo do Banco Rothschild. Quando questionado quanto à escolha, declarou: “E dai? O que conta é a competência, e não a ideologia”. Seu assessor econômico é um antigo economista do Bank of America. Arquivou o Imposto de Renda de 75% e cortou os encargos sociais para estimular o emprego. Agora, pretende reformar a legislação trabalhista, elevar a idade mínima para a aposentadoria e aumentar as horas de trabalho semanais. É claro que os sindicatos foram para as ruas protestar. Será que vai conseguir? Não sei. Afinal, quem não gosta de privilégios?


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