terça-feira, 31 de março de 2015

Brasileiro: “O problema está no sufixo.”

Leilane Neubarth: Brasiliana

Foi no século passado, lá pelos anos 90. Conheci um homem magnífico cuja estatura intelectual contrastava com o porte físico. Miúdo, o professor Antonio Houaiss me impressionou com seu jeito tranquilo, especialmente pela maneira como se expressava. Um gigante com as palavras. Foi presidente da Academia Brasileira de Letras, escritor, tradutor e fez o dicionário que tantas vezes me socorreu.

(Sim, sou antiga, do tempo do dicionário de papel...)

Inquieta, com 30 e poucos anos, deixei transbordar, já naquela época, minha preocupação e insatisfação com a falta de noção do brasileiro sobre nação. “Boa mistura de palavras” ele disse - noção e nação... E sorriu.

Eu me queixava da maioria dos governantes e administradores públicos, em todas as instâncias e de diferentes partidos. Pessoas que só pensam no seu próprio bem-estar, remuneração - lícita ou ilícita - ou em conseguir votos.

Gente que destrói bons trabalhos e iniciativas, feitos para a nação, se eles tiverem sido realizados por alguém de um partido que pareça oposição. Gente capaz de inventar uma obra que serve ao nada, a coisa nenhuma - ou até ao “coisa ruim” - se puder camuflar dizendo: “Foi feita para o povo brasileiro.”

Eu me lamuriava e o professor me olhava... Quando parei de desfiar meu rosário de desesperança, ele disse: “Minha filha, o problema está no sufixo.”

Eu, perdida, caçava na memória as aulas de português da Dona Mariazinha (foi ela, a mãe da poeta Ana Cristina Cesar, que me despertou o gosto por alinhavar palavras).

Voltando ao professor... “Sufixo” ele disse. Mas não fazia sentido. Como explicar a falta de sentimento de nação através de um sufixo? Sim, eu lembrava: sufixo é o elemento usado na formação de palavras pelo processo de derivação, ou seja, é o final de uma palavra.

Diante da minha indisfarçável perplexidade - ou pura ignorância mesmo -, professor Houaiss me socorreu explicando: o sufixo de nação é “ano” ou “ês” Vamos lá: americano, australiano, italiano, africano, mexicano... Ou francês, português, inglês, japonês... Cada vez mais atônita, só conseguia pensar por que raios não somos brasilianos.

Mas ainda não me servia como explicação para a usurpação costumeira do bem público. Aí o doce garimpeiro de palavras arrematou dizendo: “O sufixo ‘eiro’ é de profissão: padeiro, carpinteiro, jardineiro, pedreiro...”

Eu, boquiaberta, como você deve estar agora, imaginando quantas pessoas vieram para cá ser brasileiros. Ganhar dinheiro com nossas terras, pedras, rios, florestas... Milhões ao longo de cinco séculos usando o Brasil como profissão em vez de trabalhar para ele, por ele, pelo nosso povo, pela nossa nação.

O raciocínio me deu um certo alívio. Estaria no sufixo a explicação (não a justificativa, veja bem) para os escândalos e denúncias de corrupção como Petrolão, Mensalão, Operação Sanguessuga, Anões do Orçamento e tantos outros? Será...? Pelo sim ou pelo não, sufixo ou não, como respeito a energia das palavras, desde esse longínquo episódio, afirmo categoricamente: sou brasiliana, com muito orgulho.

15 comentários:

  1. (argento) ... "ano" ou "ês" ,,, é um belo argumento ,,, argentinos, paraguaios, uruguaios, israelenses, ganenses e outros povos sem nação, mas "sufixados", serão eliminados da discussão ...

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    1. (argento) ... claro que também estão fora belgas, austríacos, suiços, suecos, ,,,

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    2. (argento) ... brasilano ou brasilês, questão de gosto, prefiro o segundo ...

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    3. Claro que existem outros sufixos gentílicos, Argento. 'Ense' e 'ino' são dois deles, mas como a nossa língua tem mais exceções do que regras, estrangeirismos também são aceitos. Houaiss apenas simplificou a história.

      E carioca vem do tupi kari'oka - kara'ïwa 'homem branco' + 'oka 'casa'.

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    4. (argento) ... entendi ... "Eu, boquiaberta, como você deve estar agora, imaginando quantas pessoas vieram para cá ser brasileiros. Ganhar dinheiro com nossas terras, pedras, rios, florestas... Milhões ao longo de cinco séculos usando o Brasil como profissão em vez de trabalhar para ele, por ele, pelo nosso povo, pela nossa nação." ... , apropiação do trabalho ... , mas isso é Marx ...

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    5. (argento) ... algumas vezes dedo escorrega, noutras teclado come letrinha - "APROPRIAÇÃO do trabalho" ...

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  2. (argento) ... Leilane Neubarth é Carioca ...

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  3. (argento) ... a gramsciana política braZilis é o mó barato, não deixa opção ao brasileiro mérdio; uns dizem que botaram frango na mesa do pobre, outros dizem que promoveram o pobre à classe média. É previsível a confusão, não só da escritora e articulista mas de todo o populacho (massa-de-manobra, mais perdida que cego em tiroteio) obrigado a votar na Sopa-de-Letrinhas.

    referências: "Manifesto do PT afirma: Perseguem-nos pelas nossas virtudes.”(!?) e “O problema está no sufixo.”

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    1. Eu não fico de boca aberta com os imigrantes que construíram o Brasil, fico de boca aberta em saber que os imigrantes que foram para o Brasil que ao mesmo tempo que foram para serem brasileiros também foram para roubar a própria terra como diz com baba na cave oral quem escreveu o turbilhão de besteira.
      Imbecilidade abunda.
      Os meus avós assim como os avós de muitos não foram parao Brasil para roubar , foram para trabalhar, foram para dinamizar o país, como tinham a cultura da terra, a cultura da educação a vida lhes sorriu melhor a custa de muito trabalho.
      Ainda existe este tipo de discriminacao: "vieram ganhar dinheiro com nossas terras, pedras, rios ....
      A mulher parece ser dona de tudo, pelo menos pensa que é.
      Não entender a historia é uma catástrofe civilzacional e tao típica da esquerda orelhuda que procura migalhas para alimentar sonhos sujos e pequenos.
      Tenho imenso orgulho da minha ascendência, imenso.

      Por que não é sambeiro e sim sambista?

      Ainda bem que é "frango" e não "franga" que foi colocada na mesa do povo do país.

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  4. (argento) ... enganou-se Houaiss - o pobrema não é de sufixo, mas de SOFRÍCIO ...

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  5. Bom, o problema é o seguinte: 'brasileiro' era - e ainda é - usado em Portugal como sinônimo para o emigrado, geralmente rico, que retorna do Brasil para lá. Logo, levou alguma coisa daqui.

    Não há como negar que nós fomos explorados durante muito tempo. Nada de anormal, no entanto. Eram coisas da época.

    Mas, voltando, brasileiro, pelo uso, acabou designando também quem nasce aqui, mas, se vocês quiserem podem usar brasil, brasilense, brasiliano, brasílico, brasiliense ou brasílio.

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  6. Diga-se de passagem, eu não reproduzi esse texto pelos belos olhos da Leilane. É bem fraquinho, reconheço. Fi-lo (gostaram?) pela curiosidade etimológica.

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  7. A corrupção vista pela lente de um filólogo foi realmente muito interessante! Como sou aficionado pelas palavras, me tornei mais fã ainda de Antonio Houais...Esse texto realmente mudou meus conceitos...Tipo aquelas coisas óbvias que a gente nunca pensa, mas que os escritores, homens de sensibilidade, nos mostram com tanta lucidez...Parabéns!

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