Deonísio da Silva : Medos e pavores trocaram de lugar
O pavor do homem medieval era chegar tarde da noite e
encontrar fechadas as portas da cidade. Protegidos por muralhas, seus
habitantes tinham medo de ataques de inimigos, de aves de rapina e de animais
ferozes, principalmente de lobos, e até do vilão, o morador da vila, que, desde
então, tem servido para caracterizar o personagem que representa o mal em
romances, peças de teatro, novelas e filmes. Sem contar que não apenas os
vilões, mas também animais ferozes e lendários chegaram à cultura brasileira, de
que é exemplo o lobisomem. Surgido na Grécia antiga, o homem-lobo aportou ao
Brasil, depois de escala em Portugal, e foi personagem referencial de romances
e de peças de teatro e telenovelas, de que são exemplos “O coronel e o
lobisomem”, de José Cândido de Carvalho, e “Roque Santeiro”, de Alfredo Dias
Gomes. Nos arredores de Viseu, em Portugal, ainda existe a Cova do Lobisomem,
onde o bicho se escondia depois dos ataques noturnos e aguardava o amanhecer,
quando voltava a ser homem outra vez. O vilão ganhou má fama porque ladrões,
assassinos e outros malfeitores, quando podiam evitar prisões e masmorras, ou
delas fugir, iam esconder-se nas vilas, misturando-se a seus inocentes e rudes
habitantes, tal como nos mostrou o filme “O feitiço de Áquila”, ambientado na
Europa medieval, no século XIII. Nessa história lendária, um bispo apaixona-se
por uma bela mulher (Isabeau D’Anjou), cujo pai morreu na Primeira Cruzada.
Quando esta foge com um militar (Etienne de Navarre), o bispo faz um pacto com
o demônio, com o fim de garantir que os amantes fiquem “sempre juntos, mas
eternamente separados”. Para isso, Isabeau é transformada em falcão durante o
dia, e Etienne em lobo, durante a noite. Um ladrão fugitivo (Philippe Gaston),
que vive entre os vilões, um caçador de lobos (Cezar) e um monge confessor que
exerce a medicina (Imperius) também se destacam nas tramas, que incluem um
eclipse solar de três dias, quando o feitiço poderá ser quebrado, pois haverá
“um dia sem noite e uma noite sem dia”. Outras narrativas lendárias
representaram medos diversos, como Chapeuzinho Vermelho, o lobo e o cordeiro, a
mula sem cabeça etc. Mas hoje o grande medo não é mais morar na selva,
transformada em santuário, ou em pequenas povoações e cidades. Ao contrário,
quanto maior a cidade, maiores os perigos. É por isso que a segurança e a
violência urbana, vestindo outras roupas, vêm sendo temas inevitáveis de
eleições presidenciais, estaduais e municipais, tanto para cargos no Executivo
como no Legislativo.
A Idade Média defendeu suas cidades com muralhas até o dia
29 de maio de 1453, quando os exércitos de Maomé II, utilizando canhões,
abriram imensos buracos nas muralhas de Constantinopla, atual Istambul, por
onde entraram para derrubar o ainda poderoso império bizantino. As lutas foram
tão sanguinolentas e desorganizadas que o corpo de Constantino XI, o último
imperador bizantino, nunca foi encontrado. Naquela semana, realizava-se dentro
das muralhas um simpósio que discutia se os anjos tinham sexo, expressão que
passou a designar a perda de tempo com assuntos inúteis, enquanto temas
importantes são ignorados. Governantes e governados, por exemplo, desconheciam
o canhão, mas sabiam distinguir anjos, arcanjos, querubins, serafins, tronos,
potestades e demais cargos da hierarquia celestial! Tal como Constantinopla,
nossas cidades já não nos protegem mais, pois os inimigos não vêm de fora, eles
estão no meio de nós. E muitas vezes são eles que nos governam. Mas todos os
candidatos, como Pezão, cujo apelido se deve ao fato de calçar 47 e meio, isto
é, quarenta e sete grãos de cevada e meio, origem do número dos sapatos, e o
“bispo” Crivella prometeram resolver todos os nossos problemas. Bastaria que
tivéssemos votado neles!
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