Rodrigo Massaud - Médico
Neurologista pela Universidade Federal de São Paulo UNIFESP, membro da Academia
Brasileira de Neurologia e tem MBA em gestão de Saúde pelo INSPER.
Nossos sentidos e capacidades mentais são todos recursos
escassos. A neurociência estuda, entre outra coisas, o funcionamento da mente.
A economia é a ciência que estuda como administrar recursos escassos. A área
conhecida como neuroeconomia estuda como a neurociência explica os processos
neurobiológicos, subjacentes à tomada de decisões.
A tomada de decisão é uma função de um grupo conhecido como
funções executivas. As funções executivas estão relacionadas a circuitos
neurais complexos, que têm boa parte de suas conexões na região anterior do
cérebro, conhecida como lobo frontal. Logo, tomar boas decisões se relaciona
fortemente, em testes neuropsicológicos, com um bom funcionamento das funções
executivas. Vários estudos neuropsicológicos, demonstram que executivos do alto
escalão das empresas, como os CEOs, apresentam resultados de alta performance
nos testes que avaliam as funções executivas. Mas será que somente um bom
funcionamento cerebral, do líder máximo de uma empresa, é capaz de garantir as
melhores decisões?
Um dos sistemas filosóficos mais fantásticos, o estoicismo,
tinha como elemento central do seu pensamento, saber o que de fato na vida
podemos mudar e o que não podemos mudar. Sobre quais acontecimentos da vida
temos verdadeiro controle?
Epicteto foi um dos principais pensadores estoicos e, num
trecho do seu pensamento, ele divaga sobre qual seria a principal tarefa da
vida:
“A principal tarefa da vida está em identificar e separar
questões, de modo que eu possa dizer claramente para mim, quais são externas,
fora do meu controle, e quais têm a ver com as escolhas sobre as quais eu, de
fato, tenho controle. Onde, então eu devo buscar o bem e o mal? Não em externos
incontroláveis, mas dentro de mim mesmo, nas escolhas que são minhas”.
Entre os problemas mais comuns no funcionamento do nosso
cérebro está o autoengano. O autoengano frequentemente nos leva a apontar o
dedo e procurar culpados externos para nossos problemas.
A neurociência nos mostra que mudar crenças é muito mais
fácil que mudar comportamentos aprendidos. Nas crenças não gastamos energia
agindo sobre aquilo que está sobre o nosso controle. O cérebro tende a sempre
que possível poupar energia. Exemplificando esse problema: o que é mais fácil,
planejarmos o início de uma dieta para a próxima semana ou começarmos agora
mesmo? Levantarmos da cadeira e procurarmos emprego ou culparmos a crise
econômica? Culpar o CEO por problemas graves ocorridos nas empresas ou entender
que em atividades de alto risco, como na indústria da mineração, por exemplo,
geralmente os acidentes ocorrem por uma cadeia de erros, que envolvem múltiplas
pessoas da corporação, e não por um culpado isolado? A cadeia de erros
interligados explica, outrossim, boa parte dos acidentes aéreos, e também
explica erros que causam danos a pacientes no sistema de saúde do mundo
inteiro.
Algumas maneiras por que esses erros ocorrem são bem
conhecidas pela neurociência:
O efeito de ancoragem é um viés cognitivo que descreve a
tendência humana para se basear, ou “ancorar” a tomada de decisão, em uma
informação ou parte da informação recebida anteriormente.
O efeito de exposição contínua que é outro desses erros que
gera a ilusão de familiaridade; temos a tendência a preferir o que nos é
familiar. Somos resistentes a mudanças.
O viés de confirmação é outra maneira de tomarmos decisões
inadequadas, quando colocamos nossa convicção sobre um determinado assunto e
fazemos a leitura dos fatos; é a tendência de se lembrar, interpretar ou
pesquisar por informações de maneira a confirmar crenças ou hipóteses iniciais.
É um tipo de viés cognitivo e um erro de raciocínio indutivo. As pessoas
demonstram esse viés quando reúnem ou se lembram de informações de forma
seletiva, ou quando as interpretam de forma tendenciosa. Tal efeito é mais forte
em questões de grande carga emocional e em crenças profundamente arraigadas.
Os conceitos de memórias tendenciosas foram propostos para
explicar a polarização de atitudes, quando uma divergência se torna mais
extrema, mesmo que as diferentes partes sejam expostas à mesma evidência. As
crenças persistentes são crenças que persistem mesmo após várias evidências
demonstrando que são falsas.
O efeito irracional do “Prime” demonstra uma maior confiança
nas informações encontradas primeiramente, antes de uma série de outras
informações.
Temos ainda a correlação ilusória, quando falsas associações
entre dois eventos ou situações são identificadas.
No momento que vivemos hoje, com as famosas fake news, é
muito fácil nos tornarmos reféns desses exemplos de irracionalidade. Temos que
nos policiar constantemente para não cairmos nessas armadilhas da mente. Dessa
forma, não parece racional culparmos os CEOs como responsáveis isolados por
acidentes gravíssimos como o ocorrido na cidade de Brumadinho ou no CT do Flamengo.
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