Deu a louca no PT?
José Nêumane
O Partido dos Trabalhadores (PT) resolveu contrapor-se ao
relatório escrito com esmero e competência pelo senador Antonio Anastasia
(PSDB-MG), que descreveu em 441 páginas os atentados cometidos contra a
Constituição pela desvairada afastada Dilma Rousseff – bilionários cheques sem
fundo contra bancos públicos para financiar sua reeleição. E incumbiu a bancada
do chororô na comissão do impeachment do Senado da árdua missão. A mensagem não
foi entregue a Garcia, o celebrado herói da guerra dos EUA contra a Espanha,
mas ao barulhento trio de frente do contra-ataque petista: Lindbergh Farias,
Gleisi Hoffmann e Kátia Abreu (que é do partido de Temer e Jucá e da bancada
dita ruralista).
Num gesto de dramático reforço retórico assemelhado (embora
sem o mesmo talento) ao de O Rinoceronte, obra-prima do teatro do absurdo
escrita por Eugène Ionesco, o ex-prefeito de Nova Iguaçu (RJ) transferiu o
privilégio da leitura para três colegas: Gleisi Hoffmann (PT-PR), Vanessa
Grazziotin (PCdoB-AM) e Kátia Abreu (PMDB-TO). Em teoria, seria para denunciar
a misoginia (horror ao sexo feminino) manifestada pelos quatro principais
agentes do “golpe branco e manso”: Eduardo Cunha, Michel Temer, o Tribunal de
Contas da União (TCU) e o PSDB. Este, derrotado na eleição de 2014, teria
recorrido ao terceiro turno, inspirado (e, quem sabe, financiado), como os
outros, pela “elite fascista branca de olhos azuis” da Fiesp. Como nunca na
história do Congresso Nacional foi lida uma mixórdia tão surrealista, pode ser
também que o senador paraibano, mas que representa a esquerda festiva do Rio de
Janeiro, se tenha poupado de ler o confuso arrumadinho com que tentou em vão
adiar a sessão e prorrogar para as calendas gregas o julgamento final da
“presidenta”.
Nunca antes tantos clássicos da literatura foram citados num
texto em que a subliteratura mais abjeta se fez representar para distorcer
fatos, conspurcar a História e tratar o público a que se destina como portador
da mais rematada imbecilidade. Tudo começa no título, Crônica de um Golpe
Anunciado, paródia de Crônica de uma Morte Anunciada, obra-prima do Prêmio
Nobel de Literatura Gabriel García Márquez.
As citações destrambelhadas não param por aí. O voto em
separado dos senadores desesperados incluiu em seus desvarios a visita descrita
por Dante Alighieri, o poeta toscano que inventou a língua e a literatura
italianas, ao inferno na companhia do colega romano Virgílio. A trama, reza o
destampatório, foi “de tal forma sinistra que poderia ter sido contada por
Virgílio a Dante Alighieri e ter como introito a lúgubre frase Deixai toda a
esperança, ó vós que entrais! Com efeito, começava ali a nova descida da
democracia brasileira aos históricos infernos do golpismo”. Em editorial
publicado em sua página 3 na edição de quarta-feira 3 de agosto, o Estadão
arrematou com precisa ironia: “Era o caso de mencionar que o oitavo círculo do
inferno de Dante é aquele onde os corruptos, hipócritas e falsários são punidos
com banho de piche fervente, mas o texto omite essa passagem”. Pudera!
Lindbergh, Gleisi e o marido desta, Paulo Bernardo, são figurinhas carimbadas
na “república de Curitiba” e não iam passar recibo desse jaez. Tudo como antes
nos infernos de dantes.
Os autores dessa odisseia por mares desde sempre navegados
da hipocrisia e da mentira na prática parlamentar nacional tomaram emprestada
uma lembrança que tem comparecido aos discursos de madama nos estertores de seu
isolamento no hospício da Alvorada. Foi reproduzida, é claro, a célebre lição
de Josef Goebbels segundo a qual “toda mentira repetida passa a ser verdade”,
aprendida e imitada por João Santana, que acaba de pagar fiança de R$ 31,5
milhões (!) para sair da cadeia, juntamente com a mulher, Mônica, por crimes
contábeis cometidos sob a égide da “ilibada” Dilminha. A imaginação de
Alighieri não daria conta do Paraíso na Terra filmado, cantado e louvado nos
filminhos da campanha da reeleição, assim como de cenas do clássico
documentário dos horrores, a série Mundo Cão, na vida real depois de sua
segunda posse. Lembrado foi ainda o “Führer” (líder) do inspirador de Patinhas,
Adolf Hitler. Afinal, este “legitimou em grande parte a ascensão no cenário
político alemão com o recurso demagogo da ‘limpeza das ruas’ alemãs de judeus,
ciganos, comunistas e corruptos”. Talvez para não lembrar espeto em casa de
ferreiro, o trio de redatores não substituiu corruptos por homossexuais. Na
certa, fê-lo para não relembrar a cruzada de Fidel e Raúl Castro em Cuba contra
quem viole a pureza sexual socialista no pecaminoso Caribe.
Depois de tripudiar sobre a herança filosófica e literária
de Sófocles, Hannah Arendt, Getúlio Vargas e, pasmem, Carlos Lacerda, os três
concluíram essa celebração da ficção brega com um dos textos favoritos deste
escriba, desde a adolescência em Campina Grande. Em O 18 Brumário de Luís
Bonaparte, Karl Marx, já então não mais o jovem editor da Gazeta Renana que
verberava contra a censura do kaiser, mas o filósofo de longas barbas brancas,
recorreu ao mestre amado e contestado Georg Hegel para concordar com sua
afirmativa de que a História sempre se repete. Só que, de início trágica, no
repeteco ela se torna farsesca. Marx e Hegel, como diriam aqueles procuradores
paulistas perseguidores do Führer (perdão, líder) Lula, chacoalharam os
esqueletos pelo mau uso de sua frase genial.
Pretensioso, mentiroso e piegas como só um texto da lavra
dos que o escreveram poderia ser, o voto em separado da bancada do chororô
guarda semelhança com o manifesto dos “juristas” leais a favor do recurso de
Lula ao comitê de direitos humanos da ONU contra nosso Estado Democrático de
Direito, que em palanques este louva. Assinado por 64 (só?!) advogados e
vassalos de outros ofícios, o documento alcança o ridículo não por excessos de
subliteratura com ótimas citações, mas pelo exíguo total de aderentes.
De acordo com estes, Lula seria alvo de ódio e perseguição
porque “ele é filho da miséria; porque ele é nordestino; porque ele não tem
curso superior; porque ele foi sindicalista; porque foi torneiro mecânico;
porque é fundador do PT; porque bebe cachaça; porque fez um governo
preferencialmente para as classes mais baixas e vulneráveis”. Para esses
minguados signatários, se “fosse Luiz Inácio Lula da Silva um homem de posses,
sulista, ‘doutor’, poliglota, bebesse vinho e tivesse governado para os poucos
que detêm o poder e o capital em detrimento dos que lutam sofregamente para ter
o mínimo necessário para uma vida com dignidade, certamente a história seria
outra”. O grupo critica especialmente o juiz Sergio Moro, que no curso das
investigações da Operação Lava Jato determinou a condução coercitiva e
autorizou a divulgação de gravações de conversas do ex-presidente.
Entre os gatos-pingados que o assinaram se destaca um
ex-desembargador do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, de Porto Alegre, e
então assessor do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki,
Manoel Lauro Volkmer de Castilho, também marido de Ela Wiecko, vice-procuradora-geral
e braço direito do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Sobram cargos
e sobrenomes na identificação do ex-assessor, que pediu demissão e a teve
aceita pelo ex-chefe. Mas isso não bastou para dar-lhe conta de que expôs à toa
o relator da Lava Jato no STF. Este, aliás, assim como o presidente daquela
Corte, Ricardo Lewandowski, perdeu a oportunosa ensancha de puxar a orelha do
ex-presidente, que detratou a República em inócuas instâncias estrangeiras.
Em suma, parodiando outro título popular, o da comédia
cinematográfica Deu a Louca no Mundo, será que deu a louca no PT, hein?
Veja que beleza de pérola a Vanessa Grazziotin produziu para a TV Senado: "A maioria impôs sua vontade".
ResponderExcluirhttp://www.oantagonista.com/posts/e-a-democracia-senadora
Agora o PT quer inventar a votação onde prevalece a vontade da minoria?
Pior que eu assisti tudo...
ExcluirNo Brasil, você nunca vê tudo:
Excluirhttp://www1.folha.uol.com.br/esporte/olimpiada-no-rio/2016/08/1799103-suposto-vice-consul-da-russia-mata-assaltante-no-rio.shtml
O cara é duas vezes herói, matou um assaltante e denunciou um falsários, ele mesmo.
(argento - "em busca da garrucha perdida") ... he he he he, e a culpa disso tudo é da Lava Jato ...
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