quinta-feira, 6 de outubro de 2016

“Abóboda” e “abóbeda” não passaram “desapercebidas” pela Academia Brasileira de Letras

“A praia onde moro oferece esplêndida visão da abóboda celeste.” Marco Lucchesi, escritor em “Utopia concreta” (ou “A prisão de Mantega foi um atentado jurídico”).

“Peço licença, independentemente do candidato de cada leitor desta coluna semanal, em véspera de completar três anos de presença aqui, para chamar a atenção para uma proposta presente no programa de governo do candidato Pedro Paulo que, em minha opinião, passa desapercebida neste ambiente de polaridades que vivemos, mas traz uma radicalidade interessante para o futuro das políticas de cultura na cidade.” Marcus Faustini, pensador e agitador cultural da periferia em “Cultura nas eleições do Rio”.

Eu ia comentar sobre os textos desses dois, publicados pelo Globo, mas depois de me deparar com uma “abóboda celeste” e uma “opinião passando desapercebida”, desisti e parti para outra linha.

No meu tempo de ginásio, se eu escrevesse essas barbaridades em uma redação era ponto descontado na certa. Mas, como já estou calejado com barbarismos semânticos incorporados à língua por lexicógrafos “mudernosos” como o Houaiss, antes de meter o pau resolvi dar uma olhadinha em alguns pais-dos-burros.

Diga-se de passagem, comecei com um “avô-dos-burros”, o Dicionário Melhoramentos de 1968, com seus quatro volumes, um excelente léxico, onde, é claro não consta a tal “abóboda” e “desapercebido” é definido como quem está sem apercebimentos, que são alimentos e munições usados em guerra ou, em visão mais figurada, quem está distraído, sem atenção.

Aí fui para um “muderno”, no caso o Houaiss, que não só aceita tranquilamente “desapercebido” como sendo não notado como tem o desplante de dar um esporro desaforado em quem não concorda com o enxovalhamento da língua: “Os parônimos desapercebido e despercebido foram objeto de censura purista, acoimados de falsa sinonímia, mas o emprego desses vocábulos como sinônimos por autores de grande expressão tornou a rejeição inaceitável”.

E não para por aí. No Houaiss não só a tal “abóboda” está presente, como também uma outra forma mais bárbara ainda - pasmem: “abóbeda”.

Caí para trás, mas levantei e fui procurar no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa de 1981, elaborado por ninguém menos que os membros da Academia Brasileira de Letras, certo de que os luminares da língua não me decepcionariam. Ledo engano. Foi aí que caí e não levantei mais: “abóboda” e “abóbeda” estavam lá, lépidas e fagueiras como se a me sacanear.

Meu primeiro impulso, antes de ter essas catastróficas informações, foi escrever para O Globo desancando não só esses barbarismos, mas também o baixíssimo nível ortográfico dos escrevinhadores e revisores do jornal. Entretanto, em vista das minhas - segundo o Houaiss - “rejeições inaceitáveis”, não quis pagar o mico de ter o Houaiss e toda a ABL esfregados na minha cara. Afinal, quem sou eu perto dessa gente?...

6 comentários:

  1. Eu não tinha "apercebido", mas parece que sempre é possível desaprender, não importa a idade. As palavras "apercebido e desapercebido", constam também no Priberam, mas "abóboda e abóbeda" não.

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  2. (argento - seu voto,,,) - dislexia - a abó tomô uns mé, abó beda

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  3. A 'discução' está adiantada, e segundo esses luminares hermenêuticos citados por Ricardo, pode-se escrever o que se quiser, pois a língua é viva e 'aceitasse' qualquer merda. O Michaelis não registra abóbeda mas aceita abóboda.
    Já o Aulete registra: s. f. || forma antiga de abóbada. Também se dizia bóbeda. E quanto a abóboda: s. f. || forma pop. e ant. de abóbada.

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    1. Quanto a desapercebido, os dois dicionários citados o aceitam. O Michaelis informa que é a 2ª acepção de despercebido.

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  4. (argtento) ... um passarinho (estudioso) me contou que Perceber e Aperceber, por paronímia, se confundem como sinônimos, o que não são exatamente - percebido(a), necessário (ou não) aperceber-se (equipar-se, aparelhar-se) para, enfrentar, transpor, contornar, transcender o percebido ...

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  5. (argento) ... não me contou o passarinho, nõ perguntei sebro Abóbeda - opto por dislexia - minha abó bebeu a cachaça do bobô, cuidadosamente aguardada para ocasiões especiais ...

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