domingo, 7 de janeiro de 2018

A conversa fiada da liberação das drogas

Percival Puggina

A relação direta de causa e efeito entre o consumo de drogas e a criminalidade gera, quase necessariamente, a ideia da legalização. Seus defensores sustentam que se o consumo e o comércio forem liberados, a maconha, a cocaína, a heroína e produtos afins serão formalmente disponibilizados, inviabilizando a atividade do traficante.

Extinto o comércio clandestino, dizem, cessariam os lucros que alimentam o crime organizado e se reduziria o nível de insegurança em que vive a população. Muitos alegam, ainda, que a atual repressão agride o livre arbítrio. Entendem que os indivíduos deveriam consumir o que bem entendessem, pagando por isso, e que os valores correspondentes a tal consumo, a exemplo de quaisquer outros, deveriam ser tributados para gerar recursos ao setor público e não ao mundo do crime.

A aparente lógica dos argumentos tem um poder muito forte de sedução.

No entanto, quando se pensa em levar a teoria à prática, surgem questões que  não podem deixar de ser consideradas. Quem vai vender a droga? As farmácias? As mesmas que exigem receita para uma pomadinha antibiótica passarão a vender heroína sem receita? Haverá receita? Haverá postos de saúde para esse fim? Os usuários terão atendimento médico público e serão cadastrados para recebimento de suas autorizações de compra? O Brasil passará a produzir drogas? Haverá uma cadeia produtiva da cocaína? Uma Câmara Setorial do Pó e da Pedra? Ou haverá importação? De quem? De algum cartel colombiano? O consumidor cadastrado e autorizado será obrigado a buscar atendimento especializado para vencer sua dependência? E os que não o desejarem, ou que ocultam essa dependência, vão buscar suprimento onde? Tais clientes não restabelecerão fora do mercado oficial uma demanda que vai gerar tráfico? A liberação não aumentará o consumo? Onde o dependente de poucos recursos vai arrumar dinheiro para sustentar seu vício? No crime organizado ou no desorganizado?

A Holanda, desde os anos 70 vem tentando acertar uma conduta de tolerância restritiva. É proibido produzir, vender, comprar, e consumir drogas. A liberação da maconha recuou de 30 gramas para apenas 5 gramas nos coffee shops, que acabaram sendo municipalizados para maior controle e diversos municípios se recusam a assumir a estranha tarefa. Bélgica se tornou a capital europeia da droga. Um plebiscito realizado na Suíça em 2008 rejeitou a liberação, mas autorizou trabalhos de pesquisa que envolvam a realização de estudos e testes com usuários de maconha. O país, hoje, fornece, com supervisão de enfermagem, em locais próprios para isso, quotas diárias de heroína para dependentes...

O uso da droga, todos sabem, não afeta apenas o usuário. O dependente químico danifica sua família inteira e atinge todo seu círculo de relações. Ao seu redor muitos adoecem dos mais variados males físicos e psicológicos. A droga é socialmente destrutiva, e o poder público não pode assumir atitude passiva em relação a algo com tais características.

“Qual a solução, então?”, perguntou-me um amigo com quem falava sobre o tema. E eu: “Quem pensa, meu caro, que todos os problemas sociais têm solução não conhece a humanidade”. O que de melhor se pode fazer em relação às drogas é adotar estratégias educativas e culturais que recomponham, na sociedade, valores, tradições, espiritualidade, disciplina, dedicação ao trabalho, sentido da vida e vida de família, para fortalecer o caráter dos indivíduos e os afastar dos vícios. Mas, como se sabe, é tudo intolerável e “politicamente incorreto”. Então, resta ampliar o que já se faz. Ou seja, mais rigor legal e penal contra o tráfico, mais campanhas de dissuasão ao consumo, menos discurso em favor da maconha, menos propaganda de bebidas alcoólicas, e mais atenção aos dependentes e às suas famílias.

Alguém aí acredita que, legalizado o tráfico e vendidas as drogas em farmácia ou coffee shops, todos os aparelhos criminosos estruturados no circuito das drogas se transmudarão para o mundo dos negócios honestos? Que os chefões das drogas se tornarão CEOs de empresas com código de ética corporativa e política de compliance? Que os traficantes passarão a bater ponto e terão carteira assinada? Pois é.


4 comentários:

  1. Poizé! Percival é um pensador que respeito. E vou me arriscar a dar o primeiro pitaco. Talvez a primeira estratégia educativa é fazer qualquer usuário de droga saber que não será atendido gratuitamente por overdose pelo sus ou seja lá o que valha. O acompanhante, parente ou não, deverá ser responsabilizado pelo custo do tratamento. Caso contrário, botar o periguete na calçada para morrer lá. A sociedade não deve ser sobrecarregada pelo vício de um dos seus cidadãos(?).

    ResponderExcluir
  2. "É melhor tentar e falhar que preocupar-se e ver a vida passar.
    É melhor tentar, ainda que em vão, que sentar-se fazendo nada até o final.
    Eu prefiro na chuva caminhar que em dias tristes em casa me esconder.
    PREFIRO SER FELIZ, EMBORA LOUCO, QUE EM CONFORMIDADE VIVER."
    Martin Luther King

    Concordando com Luther King, desde 03 de junho de 2011 mantenho um website de página única com uma proposta para enfrentar (de verdade) o problema das drogas e os outros problemas sociais gerados pelo gigantesco e lucrativo mercado das substancias ilícitas.

    ResponderExcluir