Extraído da Tribuna da Internet e da Folha
Esta entrevista foi publicada em 17 de abril deste ano,
antes, portanto, da Operação Lava Jato. O texto circula pela internet e ganha
cada vez mais leitura, porque mostra que Graça Foster, antes de ser presidente,
já sabia das irregularidades e da atuação de Renato Duque. O texto nos foi
enviado pelo sempre atento comentarista Mário Assis. Já havíamos publicado
aqui, mas vale a pena ler de novo.
O engenheiro Gesio Rangel de Andrade foi “colocado na
geladeira” na Petrobras por se opor ao superfaturamento da obra do gasoduto
Urucu-Manaus, na Amazônia. A afirmação é de Rosane França, viúva de Gesio, que
morreu há dois anos, vítima de ataque cardíaco.
Segundo ela, pessoas da estatal tentaram constranger seu
marido a aprovar aditivos para a obra. Ele não concordou e foi exonerado do
cargo, permanecendo por dois anos sem qualquer função.
Os gastos com o gasoduto Urucu-Manaus estouraram todas as
previsões. A área técnica estimou a obra em R$ 1,2 bilhão, mas o contrato foi
fechado por R$ 2,4 bilhão, após pressão das construtoras.
O gasoduto demorou três anos para ficar pronto e o custo
chegou a R$ 4,48 bilhões. A estatal aprovou um aditivo de R$ 563 milhões para
um dos trechos, praticamente o valor daquele contrato.
Com 663 quilômetros, o gasoduto transporta gás natural
produzido pela Petrobras em Urucu até as termelétricas da Amazônia. O gás
substitui parte do óleo diesel queimado pelas usinas, reduzindo o custo da
energia.
Gesio era o gerente-geral da obra do gasoduto. Segundo
Rosane, o marido alertou Graça Foster, que ocupou o cargo de diretora de Gás e
Energia.
A viúva não cita nomes, mas em e-mails enviados aos seus
superiores, aos quais a reportagem teve acesso, Gesio reclama da diretoria de
engenharia, comandava por Renato Duque, que negociava com as empreiteiras.
A Petrobras informou em nota que o gasoduto é um
“empreendimento lucrativo” e que foi preciso “alterar a metodologia de
construção devido às condições adversas na Amazônia”. As construtoras não se
manifestaram.
O TCU investigou o caso, mas não encontrou indícios de
superfaturamento por conta da dificuldade de compará-lo com obras semelhantes.
O órgão detectou falhas graves no projeto feito pela engenharia da Petrobras. O
caso ainda está em análise.
Ex-funcionária da Petrobras, Rosane França, 56, diz que não
sabe de casos de corrupção na estatal, mas que “sempre tinha alguém recebendo
uma herança”. A família move ação trabalhista contra a Petrobras. Leia trechos
da entrevista:
- Qual é a relação da
sua família com a Petrobras?
Entrei para a companhia em 1980 e o Gesio já trabalha lá
desde 1976. Casamos em 1986 e tivemos três filhos. Gesio fez carreira na
Petrobras e se tornou referência na área de gás natural. Até que foi convidado
para ser o gerente do gasoduto Urucu-Manaus.
- O que aconteceu?
Foram realizadas três licitações. Duas foram canceladas por
preços excessivos cobrados pelas construtoras, e a terceira foi feita à revelia
do Gesio. É claro que tinha a pressão das empreiteiras, mas quando
profissionais da sua empresa dizem que você tem que aceitar, é pressão interna.
Ele recebia recados de que o projeto não andava por causa dele e algumas
decisões foram impostas.
- Por que Gesio era
contra aditivos para a obra?
O preço que a Petrobras aceitou já estava superfaturado. Era
mais caro do que fazer gasoduto na Europa com alemão trabalhando. Como ele ia
assinar algo que seria contestado pelo TCU?
- Quem estava
pressionando o Gesio dentro da Petrobras?
Não vou citar nomes.
- Ele soube de
corrupção?
É claro que eu ouvia desabafos. Nunca soubemos de um caso de
corrupção, mas é lógico que você percebe que fulano viaja com os filhos para
fora do país três vezes por ano. Sempre tinha alguém recebendo uma herança.
- Gesio foi exonerado
do comando da obra do gasoduto no fim de 2007. Por quê?
Ele foi exonerado no meio da noite, quando o diretor de gás
e energia [Ildo Sauer] saiu e antes do sucessor [Graça Foster] entrar. Ele ficou
como consultor informal da nova diretoria por alguns meses até que foi afastado
de vez.
- Gesio alertou seus
superiores –Ildo Sauer e Graça Foster– do que estava ocorrendo?
Sim. O primeiro fazia parte da tropa de choque que queria
brecar o superfaturamento da obra. Depois, ele informou o que estava ocorrendo
para a nova diretoria.
- O salário dele
caiu? O que aconteceu com o padrão de vida da família?
Foi muito duro. No final, ele recebia 50% a menos. Foi nessa
época que entramos com um processo na Justiça do Trabalho. Morávamos num
apartamento alugado, mas tivemos que voltar para o imóvel que ele vivia quando
era solteiro. Não sobrava dinheiro para trocar de carro. Ele chegava no
estacionamento da Petrobras e o pessoal ficava sacaneando. “E aí, Gesio? Não
vai trocar de carro? Tá na hora.”
- Por que ele não
preferiu ignorar os problemas?
Ele era honesto. Era um homem humilde, que foi educado para
ser honesto e sofreu muito por isso. Encontrou muitas pessoas que não eram
assim. Ele queria fazer as obras pelo menor preço e foi colocado na geladeira.
- Você pretende mover
outro processo contra a Petrobras?
Ele pretendia processar a empresa por danos morais quando se
aposentasse. Como o caso começou a vir à tona, estamos estudando essa
possibilidade.
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