sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Darwin e o Rabino

A diferença fundamental entre o evolucionismo e o criacionismo é que o primeiro é uma teoria de Darwin com fartas provas e o segundo, uma “verdade” religiosa sem prova nenhuma.

Eu nem tocaria nesse assunto, que suscita um besteirol sem tamanho, se não fosse o artigo do rabino Nilton Bonder, publicado há tempos em O Globo, “Darwin e Heresias”, onde ele, para meu espanto, defende ardorosamente o criacionismo bíblico.

Não que eu conheça a obra de Bonder - autor de 14 livros e rabino badalado aqui no Rio - mas o imaginava um pouco mais brilhante do que mais um mero distorcedor de palavras, tal e qual qualquer outro intermediário de deuses.

Até que ele começa bem, dizendo que “a leitura fundamentalista do texto bíblico não pode sequer ser considerada literal, mas política. Baseia-se mais no corporativismo e no monopólio do absoluto do que em qualquer compromisso com a verdade”, ou seja, aparentemente ele é contra as interpretações que distorcem o sentido da Bíblia, ou melhor, do Antigo Testamento, que é o livro comum entre judeus e cristãos.

Para meu espanto, logo depois, ele mesmo começa a dar a sua versão sobre a Gênese, dizendo que o dia bíblico pré-Adão “com certeza, não se trata do período de rotação completa da Terra sob seu eixo ou o tempo de 24 horas. Dia quer dizer um ‘período’ e por seis períodos demorou para ser formado este mundo como nós o conhecemos”, completando com “este Universo existe há 5.769 anos (desde Adão) e mais sete eras”.

Ora, o texto bíblico é claro em Gênesis 1:5 - E Deus chamou à luz dia, e às trevas noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro. Se o primeiro passo de Deus foi criar o dia e a noite - e não me consta que esse período tenha variado muito além ou aquém das 24 horas -, é óbvio que o dia bíblico desde o primeiro, tem essas tais 24 horas.

Aqui eu abro um parêntese para uma curiosidade, ainda em Gênesis 1:

25 Deus, pois, fez os animais selvagens segundo as suas espécies, e os animais domésticos segundo as suas espécies, e todos os répteis da terra segundo as suas espécies. E viu Deus que isso era bom.
26 E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se arrasta sobre a terra.
Eu acho que Deus ficou meio atrapalhado com tanto trabalho e, pelo menos na ordem bíblica, criou os animais domésticos antes do homem. Como é que pode um animal ser domesticado, isto é, submetido ao domínio do homem, se Adão não tinha sido criado ainda?

Voltando ao rabino, em mais uma interpretação ele diz que “a Bíblia não tem pretensões de ser um manual eterno da ciência, e sim da consciência. Sua grande revelação não é como funciona o Universo e a realidade, mas como se dá a interação entre criatura e Criador. Seu tema maior é outro: a revelação de que o Universo tem uma identidade, um Self”. Um Self... Tá bom. Mas já que Bonder acha que a Bíblia não pretende ser um manual científico, com que autoridade ele se arvora em ardoroso defensor do criacionismo? Baseado em que ele se atreve a considerar uma teoria exaustivamente estudada até hoje como uma “leitura herética” como em sua última frase: “Talvez a insistência em prosseguir com estas leituras heréticas realmente consiga provar Darwin como errado. Isso porque a sobrevivência de visões tão retrógradas acabará cabalmente demonstrando a existência não só de processos bem-sucedidos de evolução, mas também de involução”.

Provar Darwin como errado foi tudo o que ele não conseguiu com esse monte de contradições. E quem disse a ele que no evolucionismo não há lugar para a involução?

Ao chamar a Teoria da Evolução de “visão retrógrada”, Bonder bota um ponto final nessa história, deixando bem claro de que lado vem a retrogradação.

Para finalizar, a Teoria da Evolução nunca teve como objetivo contestar nenhuma religião, pelo contrário, são as religiões que querem contestar o evolucionismo. O que há, na verdade, é um bando de religiosos enfiando a carapuça, que aliás lhes cai muito bem. Nunca vi nenhum cientista rasgar o Torá ou qualquer outro livro religioso. Desconhece-se haver algum cientista que tenha abandonado a sua fé por causa do evolucionismo até porque, suas cabeças privilegiadas e habituadas a lidar com a razão lhes permitem separá-la da fé, coisa que eu insisto, é individual e intransferível e não depende (ou não deveria depender) de livros e muito menos de intermediários como rabinos, padres, pais-de-santo, pastores ou médiuns.

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